Coerência da Rosa e empoderamento femenino

O resultado formal do julgamento do habeas corpus de Lula foi 6x5 contra a concessão. Mas o resultado mais importante foi de 7 x 4, sendo o primeiro dos votos técnicos, incluindo o do decano Celso de Melo. Os votos a favor foram políticos, com uma tentativa não técnica de criar uma solução alternativa, e mudar a pauta.

O resultado foi consequência do uso da prerrogativa da presidente Carmen Lúcia, de pautar o julgamento exclusivo do habeas corpus, em nível de recurso supremo, contra uma decisão da 1ª Turma do STJ - Superior Tribunal de Justiça, que havia recusado o mesmo por unanimidade, acatando decisão anterior do pleno do STF.

Excluindo a desinformação promovida pela mídia, mais interessada em transformar um julgamento numa decisão de campeonato de futebol, o fato concreto era um recurso individual contra a decisão do STJ

Ao colocar em processo de decisão o caso específico, recusando-se a colocar antes a questão geral, constante das ações diretas de constitucionalidade, como desejava o Ministro Marco Aurélio Melo, deixou o campo para uma posição de absoluta coerência da Ministra Rosa Weber. 

Combinado ou não, a dupla feminina do STF foi decisiva para o resultado final.

O voto da Ministra, ainda que cercada por citações de difícil compreensão pelos leigos, discutível quanto à sua aplicação à doutrina brasileira, mantendo o suspense sobre o seu voto, ao final foi de absoluta clareza e coerência. 

Manteve-se absolutamente fiel à tese de obediência e respeito às decisões colegiadas, cobrou dos colegas o mesmo respeito nas decisões monocráticas, colocando a "colegialidade", como o valor máximo de um órgão colegiado. 

O seu voto, como doutrina, tem importância maior do que a sua decisão. Ele defendeu claramente que as posições pessoais não podem se manter diante de uma decisão colegiada. Sendo voto vencido, em decisão colegiada, passa a seguir o voto vencedor, nas suas decisões monocráticas, assim como nas suas posições nos julgamentos coletivos. 

É a base do regime democrático, em que a maioria se impõe sobre a minoria e a subordina àquele. A não obediência à decisão colegiada é ato de rebeldia e antidemocrático. 

Rosa Weber reconheceu o poder do plenário em rediscutir e rever a decisão anterior, embora tenha defendida a necessidade de estabilidade e reafirmou ter convicções pessoais divergentes à decisão colegiada. 

De formação germânica, absolutamente disciplinada ateve-se à causa em julgamento, refutando as mudanças de posições e de composição do plenário. Entende que tais mudanças, embora indiquem a possibilidade de nova orientação, só tem validade nos julgamentos próprios. Não era o que se estava julgando e refutou as manifestações do Ministro Gilmar Mendes que, tentou interferir na sua posição, assim como a intervenção do Ministro Marco Aurélio, no calor da sua manifestação. 

Refutou com elegância, mas de forma contundente, seguindo a decisão da Presidente Carmen Lúcia, que não aceitou inverter a ordem dos julgamentos. 

Se  a Presidente tivesse pautado antes o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade, relatadas pelo Ministro Marco Aurélio, o plenário reverteria a decisão de 2016, com o voto coerente da Ministra Rosa Weber, que se manifestou - coerentemente - nos autos e nos seus pronunciamentos dentro do Tribunal, contrária à antecipação da prisão, antes de vencidos todos os recursos. 

Votou como sempre votou, no julgamento dos habeas corpus, depois da decisão do colegiado em 2016, sem surpresas. 

Não cedeu às quaisquer pressões a menos da sua própria consciência e do absoluto respeito aos preceitos democráticos. 

Ao julgar exclusivamente o fato objetivo de eventual ilegalidade da decisão colegiada do STJ, aditando as condições de abusividade e teratologia, confirmou a decisão daquele, negando também o habeas corpus, em absoluto respeito à colegialidade. 

A dupla feminina do STF, por um ato regimental (que os insatisfeitos acusarão de manobra ou golpe) determinou a recusa do habeas corpus de Lula, no caso específico.

A defesa de Lula tentará ainda outros recursos. Também poderá esperar pela mudança da Presidência do STF com a saída de Carmen Lúcia e assunção do cargo por Dias Toffoli. Contando que na discussão do mérito do entendimento constitucional sobre o "transito julgado" tenha o voto favorável de Rosa Weber, pela sua absoluta coerência pessoal. 

Mas outros dados que precisam ser considerados. Celso de Mello, completa 75 anos em 2020, mas já demonstrou interesse em se aposentar antes da "expulsória". O novo Ministro poderá ter posição oposta ao decano. 

O STJ poderá julgar logo o mérito do provável recurso extraordinário de defesa de Lula, contra a decisão do TRF4 e, o condenando - o que e o mais provável, pelos antecedentes - o levaria ou o manteria preso, ainda que viessem prevalecer as teses abrigadas por Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

O grande mérito da decisão do STF foi a prevalência da coerência e da técnica, sem se dobrar ao clamor das avenidas ou das ruas. Como cabe a um Poder Moderador.

A Ministra Rosa Weber - acima de tudo - aplicou uma lição básica de democracia. Que precisa ser aprendida por todos: se um órgão colegiado toma uma decisão coletiva, os membros vencidos tem que respeitar e se subordinar à decisão da maioria, ainda que mantendo as suas convicções pessoais.

Não podem fazê-la prevalecer nas decisões institucionais. 

Podem, se considerar que a decisão colegiada foi ilegal, fraudada ou abusiva pode recorrer à Justiça. E cabe a essa, por decisão colegiada dar a palavra final.

A atual composição do Supremo Tribunal Federal, não dá o exemplo que deveria dar a toda sociedade, em respeito à democracia, que é o valor maior e que rege os dispositivos constitucionais.

A Ministra Rosa Weber, pela sua absoluta coerência profissional, é o grande exemplo a ser seguido.


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