É resultado do pacto? (2)

As circunstâncias da aprovação pelo Senado da MP de combate à fraude no INSS, na segunda-feira, dia 3 de junho, podem ser consideradas atípicas ou marco de um novo posicionamento do Congresso, ainda que, no caso, restrito ao Senado, o "despachantismo comunitário ou local" tem relvância menor que na Câmara.
Logo no início da tarde, já haviam registrado presença no plenário, bem mais do que os 44 Senadores necessários para a abertura da sessão. Com folga para superar qualquer verificação de presença. 
Anteciparam a chegada a Brasília, já que, normalmente, só chegam na terça-feira.
Quem os chamou e articulou essa antecipação? Foi o Governo, ou o próprio Senado, liderado pelo seu Presidente Davi Alcolumbre. E por que fez isso?
Os indícios são de que Governo não se mobilizou, não interferiu, provavelmente por não ter que "negociar alguma coisa em troca". Embora, formalmente, o porta-voz do Governo tenha afirmado que o Presidente Bolsonaro fez contatos diretos com os Senadores, desde quinta-feira da semana anterior. Com quantos ele fez? E teria voltado aos métodos tradicionais de telefonemas, abandonando a sua prática usual das novas tecnologias, da rede da internet?
O Presidente está obcecado pela idéia de que qualquer articulação com os congressistas é um "troca-troca" e não estaria disposto a isso, mesmo correndo o risco que uma Medida Provisória, proposta pela sua ala econômica, considere essencial e corria do risco de caducar, se não fosse votada na própria segunda-feira, antes das 23 horas e 60 minutos. Um minuto depois teria perdido validade. 
A Presidência da República se omitiu em todo o processo final no Senado, deixando a sua equipe econômica a merce das "feras" do Senado, embora desmentida formalmente pelo porta-voz da Presidencia.
Toda a mobilização e articulação subsequente foram conduzidas pelo Presidente da Casa, Davi Alcolumbre. 
Por que ele teria feito isso? Para cumprir um compromisso assumido com o Pacto proposto por Jair Bolsonaro? Para seguir uma orientação do seu suposto mentor, Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil? Por questões pessoais de dar visibilidade ao seu cargo ofuscada pela ampla preferência dada pela mídia tradicional ao Presidente da Câmara? Ou, ainda, para ampliar o protagonismo do Senado, que estaria sendo rebaixado a um papel de "carimbador" das decisões da Câmara dos Deputados?
Se o Governo se recusa terminantemente a qualquer articulação, por confundir com negociações, ou pior, como negociatas, os Senadores poderiam retaliar, simplesmente deixando o prazo de validade da MP vencer. 
Se a maioria dos Senadores aceitou antecipar a chegada a Brasília, atendendo a uma mobilização do presidente da Casa, vieram com disposição de discutir e votar a MP, pelo seu conteúdo e não para negociar com o Governo, seus pleitos. 
Foi um comportamento atípico, dentro do "presidencialismo de coalizão" ou de "cooptação", como denominam os seus críticos. 
Mesmo com a presença maciça era necessário a maioria dos votos, para a aprovação da MP. 
A oposição formal tem mecanismos de obstrução e poderia se valer dessa, para atrasar a tramitação. 
Mas, mais uma vez, uma articulação política, comandada internamente, promoveu uma negociação com a ala não radical da oposição (leia-se PT) deixando-a a isolada e concordou em aprovar a MP a tempo, em contrapartida a uma inclusão no relatório da PEC da Previdência. 
Teria sido uma negociação estritamente programática, com os Senadores votando segundo o seu entendimento e posicionamento em relação à relevância dos temas, constantes da MP. 
O Poder Executivo esteve presente ao longo de toda as discussões, mas para esclarecimentos aos Senadores, não para articulação ou negociação. O Secretário Rogério Marinho, apesar da importância do seu cargo e dos seus antecedente como ex-deputado federal, não reeleito é, formalmente, do terceiro escalão: um tecnocrata, com formação política. Como tal, sem a necessária credibilidade para ser aceito como negociador do Governo. 
A novidade do processo foi uma negociação política, de natureza programática, sem a interferência governamental. 
Significou um processo de independência do Senado, em relação ao Executivo, podendo ser considerado o início da montagem de um novo processo político, em substituição ao presidencialismo de coalizão, ou apenas um evento isolado, "um ponto fora da curva". Precisará de mais pontos para caracterizar uma trajetória consistente. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lula, meio livre

Lula está jurídica e politicamente livre, mas não como ele e o PT desejam. Ele não está condenado, mas tampouco inocentado. Ele não está jul...