Terceirização ampla: pode ou não pode? (1)

A terceirização decorre de uma opção de gestão empresarial entre "fazer dentro de casa" ou "comprar pronto". Em princípio, o gestor faz em casa a sua atividade principal e compra de terceiros o acessório. 
De uma parte os empresários passaram a aumentar as compras prontas porque supostamente os terceiros conseguiriam ter custos menores, principalmente pela redução da remuneração dos trabalhadores, seja do principal - não sujeita aos níveis elevados das convenções coletivas - como dos encargos. Em muitos casos por sonegação dos mesmos.
De outra parte, os sindicatos dos trabalhadores passaram a denunciar a prática, como precarização do trabalho. A Justiça do Trabalho, na ausência de legislação própria, legislou por conta própria, através de súmula, definindo que a terceirização seria admitida nas atividades-meio e proibida nas atividades-fins. E ficou com o poder de interpretar o que seria atividade-fim e atividade-meio. O que deu margem a multiplicidade de processos judiciais.
Uma nova legislação, aprovada pelo Congresso, eliminou a distinção, mas a Justiça do Trabalho, inconformada insiste em manter restrições. E o Ministério Público do Trabalho, tem feito denuncias em relação às diferenças de remuneração entre os segundos e os terceiros, acusando de precarização do trabalho.
A operação remunerada de garagens é nitidamente uma atividade acessória do dono da garagem, para atender às suas atividades principais, como os clientes das lojas locadas, em um shopping center, os dirigentes e funcionários das empresas instaladas no prédio de escritórios, os alunos de uma faculdade, os pacientes e acompanhantes de um hospital, etc. Por isso seria uma terceirização facultada e assim tem sido, mesmo antes da nova lei.
A operação de uma garagem ou terreno só corresponde à atividade principal, quando o operador é o próprio proprietário do imóvel ou o loca, especificamente, para fins de estacionamento de veículos, atendendo a usuários distintos e não vinculados à atividade desenvolvida pelo proprietário do imóvel.

Nesse caso pela súmula do TST não seria permitida a terceirização de suas atividades. Pela nova lei sim, mas ainda há decisões da Justiça do Trabalho resistindo em reconhecê-la, considerando-a inconstitucional.

Mas o que seriam as tais atividades-fim de uma operação de estacionamentos? Dentro das novas concepções da gestão empresarial que já abandonsaram ou despriorizaram a distinção entre atividade-fim e atividade-meio, o que prevalece é a visão de cadeia-produtiva. 

A atividade principal de uma garagem é a oferta de um espaço remunerado para o estacionamento de um veículo. Para tal, pode adotar o sistema de auto-estacionamento, caso em que a atividade ou investimento mais importante é a sinalização do espaço e de seu acesso. Mas essa atividade pode ser comprada de terceiros, como serviços de pintura ou instalação de equipamentos e elementos de sinalização. 
Quando adota o sistema de manobra dos veículos entregues pelo cliente, pode requerer o uso de manobristas ou de instalações automatizadas. Essa instalação pode ser feita por terceiros especializados. Já as manobras humanas são entendidas como a atividade principal do estacionamento e, como tal, sujeita a restrições. Ou seja, a terceirização das atividades de manobra estaria sujeita a restrições, pelo entendimento ainda da Justiça do Trabalho. Uma empresa operadora de estacionamentos não poderia contratar uma outra empresa com o fim especifico de suprir a equipe de manobristas. Inclusive a contratação de uma cooperativa de manobristas. Isso seria considerado uma burla à CLT. 
Segundo a lei da terceirização as restrições a essas modalidades não existiriam. Mas não é ainda consenso dentro da Justiça do Trabalho, gerando insegurança jurídica para os operadores de estacionamento. 

Há diversas modalidades de terceirização, sendo as mais importantes: a transferência a terceiros de etapas da cadeia produtiva industrial; a transferência de serviços dentro do estabelecimento da empresa a terceiros.

A primeira modalidade é a que mais se expandiu mundialmente, caracterizando a globalização. Denominado internacionalmente de "outsourcing", isto é, suprimento externo, foi traduzido no Brasil, como "terceirização". Gerando muita confusão.

Uma alternativa para desfazer a confusão é manter a denominação original, sem a tradução, como ocorre em Portugal, e não considerá-la como terceirização, para efeito legal. Isto é, interpretar que o outsourcing não está abrangido pela lei especifica e outras que legislam especificamente sobre terceirização. O outsourcing seria regido por leis gerais, sem uma lei específica para a modalidade. Ou será necessário definir lei especifica para a modalidade.

Então, a terceirização legal se referiria apenas ao desenvolvimento de atividades por trabalhadores contratados por terceiras empresas dentro do estabelecimento da contratante dessa.

O foco principal da legislação seria de natureza trabalhista, isto é, regular a situação dos trabalhadores da contratada.

A primeira questão refere-se à validade jurídica do contrato. 

Não cabe à legislação trabalhista regular essa relação comercial e determinar eventuais restrições ou proibições. 
Mas a legislação trabalhista poderia - num primeiro momento - validar ou não o contrato do ponto de vista da responsabilidade das obrigações trabalhistas. 

Poderia, em tese, desconsiderar a participação da pessoa jurídica da contratada como responsável pelas obrigações trabalhistas dos trabalhadores e entender que esses devem ser considerados como empregados da primeira contratante. Ainda que registrados e gerenciados pela contratada. Essa seria uma mera administradora dos contratos de trabalho. Esses estariam plenamente sujeitos às mesmas condições dos contratos firmados pela primeira contratada, dentro da mesma convenção coletiva, dos índices de reajustes, dos benefícios, dos direitos e obrigações. Juridicamente, os empregados da contratada, teriam que ser tratados como se empregados da contratante fossem.

Em se tratando de uma delegação ou atribuição de atividade pela contratante dos serviços dentro do mesmo setor econômico, envolvendo as mesmas categorias profissionais a aplicação das mesmas regras para os trabalhadores contratados diretos, como aos indiretos não envolveria divergências sindicais e condições de trabalho. 

Não envolveria, igualmente, maiores problemas se a empresa fosse contratada para suplementar os serviços ou atividades da contratante. Assim, os metalúrgicos que trabalharam na produção de uma autopeça metálica dentro de uma montadora de automóveis, estariam sujeitos às mesmas regras do metalúrgico que trabalha na montagem final do veículo.

A questão já envolve uma complexidade quando a parte produzida não é metálica, como  os bancos, as peças em vidro, a tapeçaria e outros. As quais seriam produzidas por tapeceiros, vidraceiros e outras categorias, cujos sindicatos e filiações a Centrais seriam distintas. 

Essa questão tem sido resolvido pelo conceito de categoria predominante. Neste sentido, todos os operários de uma montadora de automóveis seriam enquadrados na categoria sindical de metalúrgicos.

Mesmo nesse caso, algumas categorias que requerem maior qualificação e especialização poderiam pleitear tratamento diferenciado. 

Num hospital, qual seria a categoria profissional predominante? A da medicina ou da enfermagem? 

A questão se torna mais complexa com atividades que requerem menor qualificação que exercem obrigatoriamente aquelas dentro do estabelecimento do contratante principal. É o caso típico dos trabalhadores da atividade de faxina. Caracterizados sindicalmente com da categoria de asseio e conservação.

De uma parte os trabalhadores pleiteam ser enquadrados na categoria principal, cujas condições econômicas são mais favoráveis. De outra parte, os empregadores não querem conceder as mesmas condições.

Esse embate é a origem da contratação pela empresa principal de uma outra empresa, para a prestação de serviços, mesmo dentro do seu estabelecimento (da primeira), com trabalhadores de categorias profissionais e sujeitas a acordos separados e diferenciados da categoria principal.

Os bancos passaram a contratar empresas especializadas em limpeza para os serviços de asseio, para que os trabalhadores dessas empresas não fossem enquadrados como bancários. 

A indústria metalúrgica fez o mesmo, para evitar - a partir do conceito de categoria predominante - que os ou as faxineiras fosse enquadradas como metalúrgicas. 

Isso levou à uma regulamentação para admitir esse tipo de contratação, em relação às questões trabalhistas. Mas para evitar a generalização, a Justiça do Trabalho, no vácuo de lei geral, aceitou a validade da delegação de atividades-meio ou complementares. E entendeu como proibida a delegação de atividade-fim ou das atividades principais da empresa. 

Uma lei geral sobre essa delegação, caracterizada como terceirização, desconheceu essa distinção, não havendo mais a distinção de delegação de atividade-fim e atividade-meio ou atividade principal e complementar (ou suplementar).

Pela lei nº 13.467/17 toda terceirização é permitida e legal. Mas não é o que entende um segmento judiciário da legislação do trabalho (Juizes do Trabalho, Procuradores do Ministério Público do Trabalho, Advogados Trabalhistas e outros) liderados pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho) que se recusa a aceitar a nova lei e promete punir as empresas que terceirizarem atividades, que eles entendam como principal, com base na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, por entenderem que a nova lei é inconstitucional.

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