Construção cidadã

A engenharia brasileira emergiu nos anos cinquenta com um forte desenvolvimento e perspectivas de crescimento sustentado, inovação e protagonismo internacional.

Porém foi contaminado pelo vírus da corrupção que foi se alastrando, no seu meio interno, em função das relações promíscuas com autoridades públicas. Essas usaram as empresas construtoras de obras públicas como a principal fonte de recursos para as campanhas eleitorais, trocando o superfaturamento - admitidas por aquelas - pelas contribuições sujas ou lavadas para os partidos e também para enriquecimento pessoal de alguns. 

A emergência desse quadro infeccioso e doente , promovido pela Operação Lava-Jato, está fazendo desmoronar toda uma bela - mas apodrecida moralmente - estrutura. Essa terá que ser demolida para dar lugar a uma nova engenharia. Não apenas no aspecto técnico, mas principalmente no aspecto empresarial.

O setor (ou industry, no jargão inglês) da engenharia, envolvendo as empresas e os profissionais, terá que ser reinventado. Livre das doenças que destruíram, ou estão destruindo, a modelagem atual.

Como será essa nova engenharia brasileira eu também ainda não sei. Mas para chegarmos a ela, é preciso refletir e discutir.  E agir. 

Mas, como dizem os manuais, é preciso planejar: pensar antes. Conceber o empreendimento. Projetar antes de construir.

Como contribuição a esse desafio, para os meus amigos engenheiros, coloco aqui as minhas reflexões, ainda em fase inicial. Apenas para provocar a discussão.



A engenharia cidadã

A refundação da engenharia brasileira deverá ser erguida sob três pilares: cidadania, ética e tecnologia (ou inovação).

O papel da engenharia cidadã será diferente na atividade de projeto ou da construção de obras.

Na atividade de projeto, o foco deve ser a utilidade do empreendimento projetado para os cidadãos.

O comprometimento do engenheiro construtor civil ou da sua empresa, com a cidadania, envolve como aspectos principais:

  • cumprimento dos prazos acordados e contratados;
  • manutenção dos valores contratados;
  • ética e respeito com os colaboradores e fornecedores;
  • respeito à vizinhança;
  • respeito ao meio ambiente.

Responsabilidade pelos prazos prometidos

Ao assumir a execução de uma obra, seja de edificação ou de infraestrutura o construtor deve assumir como compromisso de honra com os usuários, com os cidadãos de entregar a obra pronta, dentro do prazo acordado. 

Ao ser iniciada uma obra e colocada uma placa com a previsão de conclusão, ou estabelecido em contrato particular, o comprador ou usuário cria uma expectativa. No caso de moradia ele já prepara a mudança e o término de aluguel ou outra condição no imóvel anterior. 

O construtor não pode frustrá-lo. Ele precisa ter recursos financeiros próprios ou de terceiros para garantir a conclusão da obra. Se não os tiver não deve se aventurar e se propor a execução da obra.

A execução de uma obra não é apenas um negócio econômico, mas a construção de esperanças. De sonhos. Não é apenas a moradia. Mas também aquela ponte que vai reduzir substancialmente os trajetos. Ou uma rodovia sem buracos, irregularidades na pista ou curvas erradas, tornando as viagens mais seguras e rápidas. 

Um construtor cidadão tem que ser, primordialmente, responsável, perante os demais cidadãos.

Essa condição será essencial para a recuperação da credibilidade e prestígio do engenheiro perante a sociedade. 


Manutenção dos valores contratados

Uma condição essencial é garantir ao comprador ou à sociedade que os preços combinados serão mantidos.

É uma questão cultural de responsabilidade e cidadania.

A concepção de que o conveniente é contratar o quanto antes, mesmo com projetos e orçamentos incompletos. E que depois "se dá um jeito", contribuiu para o desprestígio da engenharia.

A engenharia deixou de ser visto pela sociedade pela capacidade técnica, para ser dominado por uma imagem de "balcão de negócios". Que despreza o comprador, que despreza a sociedade que nunca sabe quando a obra vai custar. Só aposta se vai ser o dobro ou o triplo.

Para recuperar a credibilidade perante a sociedade, tem que garantir também o cumprimento dos orçamentos.

As empresas de engenharia e os engenheiros tem mil razões, argumentos e defesas para justificar os reajustes e aumentos de preços, mas isso se reflete negativamente perante a sociedade.

O engenheiro vê os aditivos como direitos. A sociedade, ao contrário, os vê como abusos. E depois da Operação Lava-Jato desconfia sempre que os aditivos são para cobrir as propinas.  

O respeito pelos preços contratados é condição mínima para retomar a imagem de seriedade, perante a sociedade.

(cont) 






Um comentário:

  1. Muito lúcido! Aborda, de uma certa forma, a relação entre Tecnologia e Comportamento Humano!

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