quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Os legados da Copa: engenharia consultiva

"Antes de uma boa obra existe sempre um bom projeto". Assim deveria ser com as obras para a Copa 2014 que tem prazo inelástico para sua entrega e, portanto, deveriam ser antecipadas para um bom andamento e concluídas dentro dos prazos.
Homologado pela FIFA e aceito pelo Governo Brasileiro, como sede da Copa 2014, ainda no final de 2007 teve tempo mais do que suficiente, do ponto de vista técnico, para se preparar adequadamente. 
Mas nem a Copa no Brasil conseguiu mudar a cultura do "deixar tudo para a última hora" e no final "dar um jeitinho".
O ano de 2008 deveria ser destinado ao planejamento, tendo em vista a escolha das cidades-sede, 2009 o ano dos projetos e de 2010 a 2012/13 os períodos de execução das obras, com tempo suficiente para os testes e estar com tudo concluído até o final de 2013. Chegamos a esse e nem tudo estava pronto. Agora se verifica que nem todos os estádios poderão ficar prontos a tempo.
Os prazos mais longos eram necessários para uma boa elaboração dos projetos básicos de engenharia (juntamente com os de arquitetura) e dos projetos executivos, antes da contratação das obras.
Prevaleceu, no entanto, a tradicional concepção de esperar as definições institucionais (a escolha da cidade como sede) embora se soubesse que 8 cidades estavam certas, com pendência apenas em 2, para a programação original de 10 cidades. Caso houvesse uma extensão para 12, 4 cidades eram candidatas às vagas. As 8 cidades certas (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e Fortaleza) podiam ter se antecipadas. 

Já com prazo encurtado a solução tradicional foi a de elaborar um  "tipo projeto básico", licitar e contratar as obras, pela modalidade menor preço e transferir a elaboração do projeto executivo ao construtor.
É uma situação típica do "faça de conta de que está oferecendo o menor preço, que eu faço de conta que acredito e fazemos a torcida acreditar: o preço final ninguém vai ver".
Os resultados foram os esperados embora sempre contestados pelas autoridades: "isso não vai acontecer porque é para a Copa". Mas aconteceram: obras superfaturadas, enormes variações de valores entre as previsões orçamentárias iniciais e as subsequentes, atrasos na execução, paralisações por diversos fatores e exclusão da programação para a Copa, caracterizada pela retirada da Matriz de Responsabilidade.

Muitas das obras contratadas pelo menor preço, estão paralizadas, porque a construtora não tem fôlego financeiro para executar as obras com prejuizo. A expectativa de que conseguiriam aditivos em função de ser obra para a Copa se frustraram. 

Já mais próximo ao final dos prazos, para acelerar a contratação das obras atrasadas foi criado um Regime Diferenciado de Contratações Públicas, que permitiu efetivamente reduzir os prazos de contratação, mas não garantiu os prazos de conclusão. Grande parte das obras contratadas pelo RDC não ficarão prontas para Copa. 
E o RDC criou uma figura esdrúxula, supostamente, uma institucionalização incompleta e equivocada do "turn key", cuja aplicação não tem melhorada a perspectiva de conclusão, qualidade e custo. As obras para mobilidade urbana e dos aeroportos contratadas pelo RDC não vão ficar prontas para a Copa.

O principal legado da Copa, neste setor é o Regime Diferenciado de Contratações, que simplifica algumas das complicações introduzidas pela Lei nº 8666/93, mas que contém equívocos que confunde o simples com o simplório.

O conjunto das obras previstas para a Copa aumentou o volume de serviços, porém a contratação dos projetos com base no menor preço não teve o dom de promover avanços tecnológicos. Há uma carência de quadros qualificados de engenharia, mas não de volume total e o uso indiscriminado do menor preço propiciou apenas que quadros de menor qualificação ampliassem a sua participação no mercado, caracterizando a atividade de projeto como uma commodity , sem promover uma graduação tecnológica.
A consequência é que o conjunto dos projetos para a Copa não apresentou nenhum avanço tecnológico significativo. 

Já no segmento do gerenciamento, onde as condições de contratação ainda são favoráveis o aumento das oportunidades atraiu as empresas estrangeiras, envolvendo um grande volume de aquisições de empresas nacionais por empresas e fundos estrangeiros, gerando um processo de transformação com efeitos perigosos para a engenharia no Brasil: as prioridade das empresas não é a qualidade tecnológica mas a rentabilidade de curto prazo, caracterizada pelas metas anuais do EBTIDA - Retorno antes dos impostos, juros, depreciação e amortização. 

Dessa forma, pode ser considerado como o legado da Copa 2014 para a engenharia consultiva  a aceleração da transformação do setor de predominantemente técnico para mais um indiscriminado setor de negócios. A inteligência brasileira ganhará com essa transformação?

Do ponto de vista técnico os projetos de engenharia de mobilidade urbana não trouxeram inovações significativas. A introdução do monotrilho como um novo meio de transporte coletivo pode ser creditada à Copa, uma vez que os três únicos projetos com essa tecnologia foram contempladas na Matriz de Responsabilidades, ainda que posteriormente um deles tenha sido abandonado, por flagrante inviabilidade (o de Manaus), outro retirado por não ficar concluído a tempo de Copa (a Linha Ouro, em São Paulo) e apenas um prolongamento do Expresso Tiradentes (Linha Prata), ter se mantido, embora não diretamente vinculado à Copa. Os projetos adotam as tecnologias desenvolvidas pelos fornecedores dos equipamentos, e sem inovações na parte civil, seguindo tecnologias já criadas nos projetos das obras de arte rodoviárias a grande alturas.

O mesmo ocorre com a implantação do sistemas de VLT e de BRTs.  As soluções foram triviais. 

A principal evolução tecnológica na área foi a ampliação do uso do BIM, seja por iniciativa dos próprios projetistas, para melhorar a sua produtividade e competitividade, como por exigências dos contratantes.

Na implantação do sistema metroviário em São Paulo, a engenharia consultiva brasileira deu um grande salto tecnológico, reconhecido mundialmente. Mas de lá para cá a evolução foi gradual, sem novos significativos saltos. O monotrilho é uma implantação na cidade de São Paulo de tecnologias desenvolvidas e testadas no exterior.

Curitiba implantou, de forma pioneira, um sistema de ônibus em corredores exclusivos, juntamente com um novo sistema viário. A tecnologia rodou o mundo e voltou como um BRT "Bus Rapid Transit", com aperfeiçoamentos feitos no exterior e transformador dos projetistas brasileiros em meros copiadores das tecnologias externas.

Do ponto de vista tecnológico, as discussões são se adotará o modelo japonês ou coreano, ou o filipino ou malaio. Não o modelo brasileiro. 

O legado da inovação tecnologica na engenharia, com a realização da Copa é praticamente nulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lula, meio livre

Lula está jurídica e politicamente livre, mas não como ele e o PT desejam. Ele não está condenado, mas tampouco inocentado. Ele não está jul...