terça-feira, 17 de março de 2020

O amanhã e o depois de amanhã (3)

A segunda crise econômica, a do petróleo, foi desencadeada pela crise sanitária do coronavírus, mas tem origem mais remota. 
De uma parte, em vários países houve e está havendo investimentos para aumento da produção, mesmo havendo excesso de oferta.
De outra parte, nos países mais desenvolvidos há fortes movimentos sociais para a redução do consumo de combustíveis fósseis, em função dos impactos sobre o aquecimento da terra. Em alguns, como a Alemanha, assumidos pelo Governo definindo metas futuras de eliminação do uso de combustíveis fósseis, nos transportes.

A Arábia Saudita, liderando a OPEP, e a Rússia eram os principais produtores mundiais. Com Governos autoritários, e empresas próprias, controladas ou associadas, tem condições de controlar o volume de barris produzidos e influenciar ou formar os preços. Desde os anos setenta, com acordos tácitos, controlaram as variações dos preços internacionais.
Os EUA, com o domínio das tecnologias de extração do petróleo do xisto, passaram a ser um grande produtor mundial, através de milhares de empresas privadas  de média e grande porte, mas nenhuma das megapetroleiras, tampouco empresa estatal. O Governo norte-americano não pode atuar diretamente sobre os preços, mas usa diversos instrumentos de apoio para sustentar ou incrementar a produção.

Com a contenção da produção, Arábia Saudita e Rússia chegaram a um acordo para manter um patamar básico de preços de U$ 60.00 por barril. Para ambos, contando com custos baixos, mais que suficiente para lucrar, esse patamar não daria muito fòlego e ao Irã - o inimigo da Arábia Saudita - e tiraria do mercado, um conjunto de empresas norte-americanas, que estavam com custo acima de U$ 70.00 o barril. Era o objetivo de Putin, preocupado com o avanço de exportações norte-americanas, ameaçando a sua hegemonia no mercado europeu.

A resposta das empresas norte-americanas, com o apoio do Governo, foi investir em tecnologia, em inovações para reduzir os custos de exploração e produção. Conseguiram reduzir para a faixa média de U$ 40.00, continuaram dando sequência aos aumentos de produção e, apesar do déficit estatístico agregado, aumentaram as exportações, frustrando a estratégia de Putin.
A ele interessava que o mercado levasse o patamar básico para US$ 40.00 o barril, o que deixaria os norte-americanos numa situação de equilibrio precário na operação existente e maior risco em novos investimentos. A aversão ao risco, dos investidores já estava criando dificuldades para as empresas renovarem os seus financiamentos. Muitas tiveram que recorrer ao tradicional mercado da agiotagem, fantasiada de "junk bonds".
Mas para isso os russos precisavam que a Arábia Saudita, concordasse em aumentar a sua produção.
A Arábia Saudita é a principal parceira geopolitica e econômica dos EUA, no Oriente Médio e sempre se pautou por um alinhamento com a política norte-americana. Essa não deixou a Arábia Saudita, liderando a OPEP, aumentar a sua produção, para baixar demais os preços e preservar a presença das empresas norte-americanas no mercado mundial.
A crise sanitária do coronavirus levando os Governos a restringir a movimentação de pessoas, tanto interna, como internacionalmente, levou a uma queda generalizada do uso de combustíveis fósseis. A aviação foi a mais afetada.
Diante desse novo quadro, a Arábia Saudita se dispôs a reduzir a produção, para manter um patamar de preços acima de US 40.00 por barril. Segundo especialistas, o preço de equilibrio estaria entre US$ 50.00 a US$ 60.00 o barril.
Mesmo com eventuais perdas operacionais, em função dos investimentos feitos, a Rússia não concordou. Putin queria, mais uma vez, dar sequência à sua estratégia persistente e com visão de longo prazo, de tirar do mercado, as empresas norte-americanas menos eficientes. 

O negócio de petróleo é de maturação de longo prazo. Entre a descoberta inicial da reserva, até o início da produção, pode haver um prazo de 10 a mais anos, ficando a média em torno de 5 anos. Depois de feitos os investimentos, a produção pode ocorrer por 30 a 50 anos, sem maiores investimentos, a não se no final, com a necessidade do desmonte das instalações, ou seja, o descomissionamento.

Em países de Governos centralizados, autoritários e estatizantes, com a Rússia e Arábia Saudita, os produtores de petróleo não são reféns dos investidores privados, como nos EUA e mesmo no Brasil. Eles podem até esperar pela maturação do investimento, mas a partir do início da produção, querem os seus retornos. A empresa petroleira precisa garantir a distribuição de dividendos anuais. Ou entram em colapso.

A partir desse quadro podem ser desenhados os seguintes cenários mundiais.

Prolongamento da crise (cenário pessimista)
A crise dos transportes se prolonga mais que a crise sanitária. As medidas de prevenção são substituidas por medidas de precaução e determina a continuidade em todo o mundo da movimentação de pessoas, afetando também a movimentação de cargas. 
Com a continuidade de uma demanda fraca e a manutenção dos níveis de produção da Rússia e da Arábia Saudita, com essa podendo até aumentar, o preço internacional do petróleo ficará por mais tempo, provavelmente até o final do semestre, deprimido, não ultrapassando o patamar dos U$ 40.00 por barril. Produtores menos eficientes paralisarão parcial ou totalmente a sua produção, fechando poços. Os investimentos em exploração e produção entrarão em forte recesso, com alguns cancelamentos de pedidos em andamento.
A Rússia, diferentemente da Arábia Saudita, tem uma estratégia mais consistente, visando manter a hegemonia na Europa e conter o avanço norte-americano. A Arábia Saudita reage diante das circunstâncias de curto prazo e de forma intempestiva. Por pressão norte-americana, a Arábia Saudita poderia reduzir a produção, mas a ameaça de uma retaliação da Russia, aumentando a produção, ela manteria o seu nível de produção, mantendo os preços baixos. 
Algumas empresas norte-americanas quebrariam, mas o abastecimento da população norte-americana seria suprida pela Arábia Saudita, com repercussões financeiras e políticas. A quebra das empresas, principalmente no Texas, enfraqueceria a posição de Trump nas eleições de novembro deste ano. 
Neste cenário, o Brasil seguirá com a produção de petróleo nos poços em operação, mas deverá reduzir os investimentos em exploração e prospecção. Irá também adiar os descomissionamentos, embora sem operar os equipamentos desativados. 
Haverá fortes impactos na cadeia produtiva de fornecimento de equipamentos e serviços para os investimentos, assim como para o Estado Brasileiro, em todos os niveis, que passou a ficar na dependência dos royalties do petróleo, para fechar as contas públicas. 
A redução das receitas levará à suspensão ou até redução definitiva de serviços públicos essenciais.


Rápida recuperação (cenário otimista)
A China já teria debelado a crise sanitária, com as suas fortes medidas restritivas de movimentação de pessoas e controle dos infectados e suspeitos. O volume de novas pessoas infectadas caiu substancialmente.  O tratamento dos infectados reduziu também o número de óbitos. 
Em torno de 3 semanas o número de infectado terá caido a níveis não epidêmicos. 
A China já estaria oferecendo auxílio técnico, em equipamentos e profissionais de saúde para ajudar países menos preparados para enfrentar a crise. Seriam países asiáticos ou próximos ao continente, como o Irã, que está isolado pelo mercado "ocidental". Mas envolve também países europeus, onde a China aproveitaria para aumentar a sua influência geo-política. Ela precisa transformar de fonte de grande ameaça mundial, onde são geradas as principais pestes modernas, para ser o centro de referência mundial no tratamento delas. 
O ciclo que está se fechando na China ainda está começando em muitos países, sendo o mais crítico os EUA pela sua importância econômica. Já a África e parte da Ásia, onde estão concentradas a maior parte da população são o grande potencial de problema sanitário.
Dentro deste cenário as principais restrições de movimentação de pessoas iria até maio, com pico entre a segunda quinzena de março e a primeira de abril. Em junho estaria regularizado e viagens internacionais, de turismo de lazer, adiadas se concentrariam em julho, em pleno verão no hemisfério norte.
Já o turismo de negócios, tanto nacional como internacionalmente não voltaria aos mesmos níveis anteriores. Tendo que usar compulsoriamente as reuniões à distância, muitas empresas se ajustaram e se acostumaram com o novo formato e reduzirão as viagens presenciais. Com a realidade aumentada, empresários e executivos poderão fazer as visitas às instalações das subsidiárias, dos fornecedores e de outros, sem sair do seu escritório. Ou ir à uma sala preparada para a realidade aumentada.
Mesmo sem esse recurso ainda de uso individual, os novos aplicativos poderão colocar visitantes coletivos no local de vista, adequadamente monitorado e com um robô respondendo a todas as suas perguntas.
O surto sanitário do coronavírus estaria mundialmente, sob controle, até o final de junho. 
O afrouxamento das medidas restritivas de movimentação levaria também à normalização, com forte recuperação a partir de julho, promovendo substancial aumento da demanda por combustíveis e derivados de petróleo. 
Mesmo mantendo os níveis de produção, com o aquecimento da demanda, o patamar de preços do petróleo passaria a situar entre US$ 50 e 60, o barril. 
Poderá ter picos, até acima de U$ 70, mas será momentânea.

Com a melhoria dos preços, aumentariam os royalties do petróleo, ajudando as contas públicas. 
Petrobras e demais petroleiras buscariam acelerar o início da produção, mas sofreriam atrasos, em função da falta de peças, além das paralisações de canteiros das obras, nos paises asiáticos, dos quais a Petrobras ficou mais dependente no fornecimento de plataformas e outros equipamentos.
A melhoria dos preços, embora conjuntural, levaria à retomada de interesse - ainda que moderada - de investimentos em exploração e produção futura dos campos do pré-sal.


Recuperação moderada (cenário intermediário)

O surto sanitário do coronavírus será controlado pela ação dos Governos nacionais, mas de forma desigual. Países mais afetados, nesta fase inicial, conseguirão conter a disseminação interna, mas não as importadas, em função da globalização da economia. É o que já está acontecendo com a China.
Isso fará com que o vírus alcance novos países, iniciando pelos importados e, na sequência, acelerados pela contaminação comunitária. 
A crise dos transportes será mais demorada, refletindo na fraqueza da demanda. Em, alguns casos será definitiva.
A Arábia Saudita, por pressão norte-americana, conterá os aumentos de produção, sem ter uma retaliação russa de aumentar a sua. A Rússia manterá a sua posição de não alterar os níveis de produção. O preço voltaria ao patamar entre U$ 50 e 60 o barril, ainda insuficiente para algumas empresas norte-americanas.
Outras, mediante inovações, conseguirão reduzir ainda mais os seus custos e sobreviverão. Donald Trump, por razões eleitorais, garantirá maior apoio às empresas norte-americanas.
Os EUA continuará sendo um dos principais produtores mundiais.
No Brasil, as petroleiras, tanto a Petrobras, como as demais tenderão a manter os investimentos nos poços já em produção, mas tenderão a conter os investimentos em que ainda estão em fase de exploração. 
A consequência será um gradual crescimento do nível de produção diária, garantindo a manutenção dos royalties para a União, Estados e Municípios.










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