terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A ilusão do poder no Estado (III)

Ao longo de muitos anos a intervenção do Estado nas questões culturais foi pelo seu valor simbólico e educacional,  o que justificava - do ponto de vista organizacional - ser acoplado à educação. O Ministério que cuidava da educação era de Educação e Cultura, consagrando a sigla MEC. As unidades estaduais e municipais seguiam o mesmo padrão. A visão prevalecente era de que não bastava ao estudante conhecer o básico: ele precisa ser culto. Não basta saber ler, precisa ler os clássicos da literatura, seja mundial ou nacional. Ainda hoje os vestibulares para ingresso no ensino superior exige do candidato o conhecimento de um conjunto de clássicos da literatura. Assim considerados segundo critérios estéticos definidos pela elite. 
Cultura, assim como a edução são entendidos como pilares básico da cidadania.
Em alguns momentos essa cultura foi considerada como expressão ideológica do governo de plantão.
Mudanças dentro da sociedade, com produções culturais de "guetos" incorporados pela sociedade de consumo urbano, apoiados pelos meios de comunicação, principalmente rádio e televisão, desenvolveram uma nova configuração de cultura. Novos meios de comunicação - como a rede social suportada pela tecnologia da informação - promoveram uma nova onda de transformação do "fenômeno cultural". 
A única coisa que não mudou é que cultura é o resultado de criação humana. 
Essas mudanças foram acompanhadas por mudanças organizacionais dentro do Estado. A principal foi a retirada da "área da cultura" do guarda-chuva da educação. Diminuiu a importância da sociedade, com interferência estatal, em formar cidadões cultos (no sentido educacional). 
Com a produção cultural desvinculada da educação,  as políticas públicas democráticas se voltaram para o apoio às produções culturais consideradas relevante pelos Governos (com homologação legislativa) que precisavam de apoio do Estado para se sustentar. Supostamente eram manifestações culturais populares e não de uma elite cultural. Mas essas também tinham produções "não de mercado" e disputaram recursos e protagonismo estatal. 
A separação da área de cultura da educação, foi ainda promovida por Tancredo Neves, com a redemocratização. Tento falecido antes da posse a sua implantação coube a José Sarney, que se considerava um intelectual e patrono cultural. 
A independência da educação não melhorou muito o status da cultura dentro do Governo, sendo muitas vezes utilizado como um lote menor do loteamento de cargos utilizado pelo presidencialismo de coalizão. O que propiciou a captura do Ministério da Cultura pela burocracia da casa e a sua gestão por grupos corporativos ligados a segmentos da produção cultural.
De um lado o Governo manteve ou criou unidades de preservação ou produção cultural, como a Biblioteca Nacional, Casa Rui Barbosa, a FUNARTE, outras e, de outro, criou mecanismo de apoio financeiro indireto mediante renúncia fiscal para os contribuintes que investissem em projetos culturais.
É um mecanismo híbrido, em que o Governo estabelece regras e seleciona os projetos apoiáveis, mas a captação dos recursos é feito pelo apoiado, direta ou indiretamente. A escolha de que projeto e, em quanto, fica com a empresa apoiadora. O mecanismo ficou conhecido pelo nome do seu aperfeiçoador, Rouanet, substituindo o seu criador, o ex-Presidente José Sarney.

Ao longo de 13 anos de Governo petista, o Ministério da Cultura foi aparelhado pelas corporações artísticas do campo da esquerda. 
O mecanismo de incentivo foi transformado num grande instrumento de marketing, com as grandes empresas lucrativas, principalmente bancos, utilizando grandes espetáculos artísticos, alguns de mega investimentos, para dar maior visibilidade aos seus produtos. Encontraram uma fonte de financiamento para as suas campanhas de marketing.
São produtos de mercado, com demanda capaz de pagar por eles, mas são engradecidos e amplamente difundidos pela transferência de renúncias fiscais. 
A esquerda que, em geral, se coloca em contraposição aos capitalistas, teve uma facção que se locupletou com o esquema. A esquerda não se opõs aos desmandos. Em alguns casos se associou.
Enquanto isso, produções menores e também produções "fora de mercado" não conseguiam o apoio estatal.

Com o impeachment de Dilma, o sucessor Michel Temer tentou o desmonte do aparelho ocupado por algumas corporações artísticas, mas não conseguiu diante da reação desses grupos promovendo greves e invasões de prédios públicos. Chegou a extinguir o Ministério, mas voltou atrás, tampouco promoveu qualquer mudança significativa. Voltou ao seu nicho, em espaço periférico do Governo, com poucos recursos e baixo prestígio.
Jair Bolsonaro, sustentado por uma votação de 47 milhões de votos, extinguiu o Ministério, mantendo a área como uma Secretaria  e corpo estranho dentro do Ministério da Cidadania. Sem maiores reações contrárias. A oposição derrotada eleitoralmente ficou enfraquecida.
Entregue o Ministério ao ex-deputado do MDB Omar Terra, que ocupava o Ministério de Desenvolvimento Social, no Governo Temer. Terra nomeou um desconhecido jornalista que o acompanha nos diversos cargos que ocupou para a Secretaria da Cultura: Henrique Pires. 
Pediu demissão, em agosto de 2019 por não concordar com filtros de censura em editais do Ministério, declarando que tentou por diversas vezes evitar tais procedimentos, mostrando o ambiente de patrulhamento do bolsonarismo na área o que veio a ser consolidado com a nomeação de Roberto Alvim, após breve permanência de Ricardo Braga.

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