domingo, 5 de abril de 2020

"Pato manco"?

No final de 2019 emergiu um coronavirus mutante, devastando a próspera cidade industrial chinesa de Wuhan, onde ao lado de modernas indústrias dos setores de alta tecnologia, convive feiras livres, sujas e com venda da animais vivos, infestando milhares de pessoas e causando a morte de muitas pessoas, em tempo muito curto. 
A reação do Presidente Bolsonaro foi de minimizar a ameaça, repetindo a "marolinha" de Lula, diante da grande crise financeira de 2018. "Tá muito longe. E se chegar aqui vai ser uma gripezinha". 
Apesar do desprezo do Presidente e da quase totalidade da sociedade brasileira, o Ministro da Saúde, começou a tomar providências pelo risco de colapso no Sistema de Saúde Público Brasileiro: o sempre mal falado SUS. Na defesa desse sistema buscou alertar todo o sistema de saúde - público ou privado - para se preparar para a chegada do vírus do Brasil e buscar recursos adicionais para fortalecer o referido sistema.
A disseminação do cornovarius, por outros países, seja da Ásia, como da Europa, principalmente a Itália, com rápido crescimento das mortes, por conta das disputas políticas, deixando de tomar as medidas de isolamento social, para conter a contaminação, alertou mais ainda a área da saude do Governo, com o Presidente Bolsonaro, seguindo na posição de minimizar o risco de epidemia, acompanhando o "seu mestre" Donald Trump, alertando contra o risco do alarmismo e da histeria, mas não impediu que o seu Ministro da Saúde, até então um obscuro Ministro, da série C, mantivesse a sua atuação com as medidas preventivas. 
Com a chegada do vírus ao Brasil, importada através da Itália, o Ministro ganhou protagonismo, com ampla cobertura da Rede Globo, posteriormente acompanhado pelos outros meios de comunicação tradicional, alcançando o apoio de outros poderes, da comunidade médica e científica, de Governadores, menos do Presidente, que seguiu na linha do menosprezo da doença, continuando a trata-lá como gripezinha ou resfriadinho. 
Diante de um movimento do Congresso Nacional, para reforçar o seu poder sobre a gestão do orçamento, não só ampliado as dotações das emendas parlamentares, como verbas impositivas, mas também a gestão sobre as mesmas, primeiramente negociou, através do seu Ministro Secretário Geral. General Ramos, a redução das verbas de 30 bilhões para 15 bilhões. Em um segundo momento, ao perceber a reação negativa da sua turma de apoio, que considerou a negociação uma concessão excessiva à velha política. Uma manifestação indignada, supostamente vazada, do General Augusto Heleno, contra o que ele caracterizou como chantagem do Congresso, liderada por Rodrigo Maia, acirrou os ânimos. Bolsonaro vetou a medida inserida na Lei de Diretrizes Orçamentária para 2020. A reação do Congresso foi de articular a derrubada do veto. Para manter o veto, sem se propor a renegociar, mobilizou os seus adeptos - através das redes sociais para irem às ruas. 
Foi  com uma grande comitiva aos EUA, jantar com Trump, na Flórida, trazendo na bagagem, o vírus que contaminou metade da comitiva, incluindo o General Heleno. 
O Senador Nelsinho Trad, foi um dos contaminados, mas sem sintomas, circulou livremente pelo Congresso abraçando muitos colegas. Segundo a imprensa, apenas o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre foi contaminado. Não teria havido uma ampla disseminação do vírus,dentro do Congresso.
Mesmo o vírus ter chegado ao Palácio do Planalto, avançando pelo Alvorada, com gente da segurança, contaminado, Jair Bolsonaro não mudou de entendimento e de posição, minimizando os riscos e evitando e se opondo a medidas radicais. Não mobilizou as demais áreas do Governo, principalmente, a área econômica, cuja posição inical foi de que a doença poderia ser oportunidade para acelerar a aprovação das reformas estruturais. Não chegou a cogitar de medidas emergenciais.

Manteve o apoio às convocações das manifestações de 15 de março, contrariando as orientações do seu Ministro da Saúde. Para demonstrar a inaceitação dessas orientações, foi cumprimentar os manifestantes, quando deveria ter se mantido recolhido em quarentena. Sofreu muitas críticas, mas a "sua turma" se manteve fiel, acompanhando-os em manifestações de rebeldia.
Rapidamente a situação mudou, com a confirmação da primeira morte pelo COVID-19, em 16 de março e o rápido crescimento das contaminações e das mortes, concentradas em São Paulo e no Rio de Janeiro, por serem as maiores aglomerações populacionais, como por receber o maior número de viajantes - estrangeiros ou retornantes - dentre os quais alguns contaminados.
O medo tomou conta da maioria da população. Bolsonaro continuou minimizando a epidemia, reiterando que não passava de uma gripezinha, e acusou os "seus inimigos" de fomentar a histeria, trazendo e difundindo informações e dados alarmantes de outros países. 
Quando os Governadores dos dois maiores Estados, onde se concentram os casos de contaminação e óbitos, passaram a tomar medidas mais amplas para impor isolamento social na tentativa de conter a velocidade das contaminações as diferenças de posições viraram uma disputa política. João Dória e Wilson Witzel seriam concorrentes à eleição presidencial de 2022, enfrentando Jair Bolsonaro que já se explicitou a sua intenção de disputar a reeleição. Para Bolsonaro esses governadores com o objetivo de fortalecer a sua candidatura, estão adotando medidas populistas contrárias às dele, prejudicando o funcionamento da economia. Segundo Bolsonaro, já explicitou, se a economia entrar em colapso "acaba o Governo dele", o que comprometeria a possibilidade da sua reeleição. Todo o seu foco seria o poder atual e futuro: um projeto de poder prolongado.
A questão é que os Governadores estão seguindo, embora de forma mais radical e ampla, as recomendações técnicas do Ministério da Saúde, que se respalda em conhecimentos técnicos e orientações da Organização Mundial da Saúde. Não estão se opondo ao Governo Federal, mas ao Presidente da República, o que deixou de ser a mesma coisa.
Desprezando o risco de epidemia que poderia afetar todas atividades e a população do país, tratando o novo coronavirus, como um problema menor de saúde pública, não maior que de outros vírus e doenças, que tem causando mais mortes, deixou o campo livre para o Ministro da Saúde. Mandetta passou a liderar as ações contra a epidemia, reconhecendo a magnitude do problema, tentando enfrentá-la, numa operação de guerra, contra um inimigo virulento e insidioso, sabendo não ter estar devidamente preparado e equipado para combatê-la.
A sua estratégia, constante de todos os manuais de guerra é evitar a sua chegada e, não conseguindo, tentar conter os seus avanços, para dar tempo de preparar as defesas. No caso, a capacidade de hospitalização e de tratamentos intensivos. 
Ao longo dos últimos anos, o despeso pelos riscos da saúde, levou a uma degradação do sistema público de saúde. 
Falando praticamente sozinho ou só entre "nois mesmo". foi ganhando notoriedade e credibilidade, ganhou apoio da mídia que passou a dar cobertura às entrevistas coletivas diárias, em que os dados eram atualizados e ele passava orientações, além de noticiar o que vinha fazendo ou planejando, com grande transparência, sem tentar esconder a gravidade, mas tentando conter os alarmismos, baseados em noticias falsas. 
Foi ganhando adesões da classe política, dos Governadores e Prefeitos Municipais, além do apoio da mídia tradicional. 
Quando Bolsonaro rebelando-se contra as recomendações do seu Ministro da Saúde, incentivou as aglomerações de seus seguidores, em 15 de março, indo ademais cumprimentar pessoalmente os manifestantes, apesar de estar em período de quarentena, em função da proximidade com os contaminados da comitiva aos EUA, viu que a popularidade de Mandetta era superior à sua e teve mais reprovações do que aprovações, na rede social. 
Percebeu que Mandetta era indemissivel. Se o fizesse poderia gerar um problema político que se voltaria contra ele e "acabaria o seu Governo". 
Tentou enquadrar Mandetta, que recuou parcialmente, mas logo voltou a agir com total desenvoltura, explicitando que não deixaria o cargo por sua vontade. Somente se fosse demitido. 
Bolsonaro tentou assumir o comando das operações, montando uma entrevista coletiva, com todos os integrantes da mesa, com máscaras. Foi um fracasso. 
Aceitando que se tratava de uma guerra, convocou o General Braga, Chefe da Casa Civil, para assumir efetivamente o comando das operações de combate.
Agiu dentro dos conceitos das estratégias militares modernas. O comando deve ser entregue a um General, que nessas circunstâncias pode ser promovido a Marechal. O Presidente, independentemente, do seu passado militar, deve-se manter como um dirigente civil. Até porque se Bolsonaro quisesse fazer valer a sua condição de militar, como ex-capitão, não seria aceito pelos Generais. 
Não consegue mandar em Mandetta, tampouco demití-lo. Seu discurso destoa de Mandetta, sendo contra o isolamento social. Mas este não o obedece. É o Presidente, mas não manda na área da saúde. Pode emitir um decreto, estabelecendo medidas opostas ao entendimento da Saúde, sem a assinatura do Ministro da área. Corre o risco de vê-lo anulado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Congresso, que estão alinhados com as linhas de Mandetta. 
Ao ser empossado não desceu do palanque, por uma razão básica. Nesse ele se sente a vontade, na base do discurso ou da falação. 
Como chefe de Administração Federal, não sabe mandar. Tem pouca idéia do que a máquina deve fazer. Então descentraliza plenamente. Não orienta, não fixa metas, na cobra - a não ser excepcionalmente - mas mantém o poder de veto. Cada Ministro conduz a sua área com liberdade e sem orientação superior. Mas se ele (o Presidente) não gostar veta e manda mudar. Conduziu (ou deixou de conduzir) a Administração Federal, ao longo de 2019 e início de 2020 com esse estilo de Governo. 
Esse estilo ficou evidente no processo de nomeação da Secretaria da Cultura, a atriz Regina Duarte. Deu carta branca a ela para conduzir a Secretaria e formar a sua equipe. Mas logo nas primeiras nomeações, vetou algumas mudanças. Respondeu às cobrança da Secretaria em público, reiterando que ela tinha carta branca, mas ele mantinha o poder de veto.
A função de coordenar a ação dos diversos Ministérios ficou com Onyx Lorenzoni, como Chefe da Casa Civil. Mas foi pouco eficaz, com muitos dos demais Ministros não o atendendo. Acabou perdendo o cargo para um General, que agora assumiu a coordenação, sem a participação efetiva do Presidente. o qual acha que é uma tarefa maçante, sem disposição de assumir. 
Diante desse estilo, os Ministros se submeteram, para permanecer no cargo. Mandetta não se submeteu e Bolsonaro não consegue vetar o que ele não gosta.
O General Braga assumiu a coordenação do combate ao coronavirus, com indpendência, sem ficar na dependência do Presidente e menos das questões politicas. Nessas Bolsonaro está amarrado às vontades do Congresso. Esse mudou o jogo de forças. Não negocia com o Governo: impõe a pauta, pressionando o Governo a encaminhar as propostas que, constitucionalmente, precisam ser de iniciativa do Executivo, toma a iniciativa nas demais e só aprova o que é acordado entre as lideranças partidárias, sob comando dos respectivos Presidentes das Casas. O Presidente não conta com um Congresso homologador das suas propostas. Se tenta alguma medida autoritária é barrado pelo Supremo. 
Isolado, com apoio apenas dos seus fieis seguidores, dentro e fora do Governo.
A tutela pretendida pelos seus auxiliares moderados e a ala militar seria para evitar que o Presidente  acabasse isolado como ficou e enfraquecido.

Jair Bolsonaro reagiu às tentativas de torná-lo uma "Rainha da Inglaterra", das tentativa de tutela, e sem essa, seguindo a sua natureza pessoal, de confronto em confronto, foi perdendo poder efetivo e vem se tornando um "pato manco" precoce. 


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