quarta-feira, 22 de abril de 2020

Um possível efeito positivo inesperado

A crise econômica brasileira não é consequência do coronavirus que só agravou uma situação que já vem desde o segundo semestre de 2014, com o sucessivo enfraquecimento do consumo nacional das familias.
Essa demanda agregada é dominada pela renda formal, dos trabalhadores com carteira assinada ou em regime estatutário (o dos funcionários públicos), complementada pelo trabalho por conta própria, na maior parte, de informais. Isto é, relações de trabalho combinadas verbalmente que, perante os registros oficiais, não aparecem. É um mercado praticamente invisível e seus integrantes, igualmente sem visiibilidade pública e nas análises técnicas.
Uma parte passou a ser captada pela PNAD, que pela sua própria natureza (amostra domiciliar) não alcança os sem domicilio, como os sem teto.
Segundo os últimos dados disponíveis (trimestre terminado em fevereiro de 2020), de uma população total de 210  milhões de habitantes, a população na força de trabalho era de 106 milhões, dos quais 93 milhões estavam ocupados e 12 milhões estariam desocupados. Os trabalhadores por conta-própria seriam 24 milhões.
As estimativas do Governo em relação ao auxílio emergencial é que mais de 40 milhões venham a recebê-lo. Considerando esses números seriam 24 bilhões por mês e 72 bilhões na vigência por três meses.
São quantidades de beneficiários maiores do que a soma dos desocupados e dos trabalhadores por conta própria. Algumas estimativas indicam volumes ainda maiores.
De toda forma estamos considerandro um valor muito superior às liberações do FGTS para os formais.
Adotada como medida de política social terá efeitos relevantes na economia, dependendo de como e onde os beneficiários irão gastar os valores recebidos.
A maior parte não tem dívidas bancárias, até por não terem contas bancárias e terão que abrir uma conta na Caixa Econômica ou no Banco do Brasil, ambas entidades estatais, para receber o auxílio. Provavelmente sacarão tudo, para gastar em dinheiro, como sempre fizeram.
As eventuais dívidas são de postergação de pagamentos nos empórios, padarias e farmácias locais, ainda dentro do tradicional regime das cadernetas. 
Liquidarão o débito e começarão uma nova folha, ou cartão. Esse mecanismo tradicional assegura as compras locais e promoverá o enriquecimento dos comerciantes. Os quais transferirão grande parte da sua receita em compras de produtos de outras regiões, principalmente de São Paulo, o maior produtor industrial de bens para consumo interno.
A sua margem poderá ser aplicada na própria região ou ser exportada para outras, seja na forma de investimento financeiro, como eventuais viagens aos centros de consumo maiores, no país ou no exterior.
Essa injeção de recursos nas comunidades mais pobres irão movimentar a economia de forma inusitada, semelhante à ocorrida na implantação do bolsa família, mas agora de forma mais ampla e robusta. 
Foi estabelecida para compensar a perda de receita dos informais, em função da retração do mercado, mas o saldo deverá ser positivo.
Seguramente haverá um grande aumento da demanda de alimentos básicos: pão, leite, arroz, feijão e farinha. Em escala menor, carnes para a mistura, frutas e legumes. Esses poderão ser de produção loal. Serão todos encontráveis nos mercadinhos locais e os comerciantes aproveitarão para colocar alimentos industrializados, material de limpeza industrializados, produtos de higiene e beleza, esses comprados de centros maiores. Medicamentos, com a movimentação de farmácias serão a segunda grande movimentação, com a maioria oriunda de produtores de outros centros. A renda local será apenas da margem do farmacéutico e pagamento de eventuais empregados, com a maior parte da receita transferida para outros centros, uma parte no exterior, mediante importações.
Provavelmente uma grande parte dessa renda do auxílio emergencial será gasta com outros prestadores de serviços locais, como os serviços de beleza, outros, todos informais.
Diferentemente da distribuição do FGTS, os gastos dos beneficiários deverão movimentar mais a economia informal do que os empregos formais.
Por outro lado, a massa salarial do emprego formal poderá cair substancialmente, em função das demissões e dos cortes de salários. 

Duas questões afloram diante dessa situação:

  • o aumento da "massa de renda" dos informais, compensará a queda da massa salarial dos formais?
  • qual será o impacto final sobre o PIB?

Pode-se supor que o auxílio emergencial, além de aportar renda ao benefíciário, aumentará o mercado dos informais, pelos gastos dos demais beneficiários. Haverá um aumento do PIB da economia informal, com a multiplicação dos efeitos. Deverá ter impacto positivo sobre o PIB, porque essa economia informal não tem sido computada nos cálculos tradicionais do PIB e só  a sua formalização - ainda que parcial - refletirá contabilmente em aumento do PIB. 
Mas dado que o auxílio emergencial  é só para três meses, a economia informal terá condições de continuar se desenvolvendo com a massa de renda e a sua multiplicação, posteriormente ao periodo do benefício?
O que será necessário para sustentar o crescimento econômico continuado dessa economia informal?
Como será, em futuro próximo, a sua integração com a economia formal?






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