Componentes dos cenários: visão de mundo

No tripé para o desenho dos cenários prospectivos de Governo, consideramos, além da circunstâncias e da personalidade, as estratégias dos governantes.
Constatamos que esse pilar é mais amplo, envolvendo as concepções que o governante tem sobre a vida, sobre as coisas, o que nas ciências sociais é caracterizado como "visão de mundo".
A visão de mundo de cada pessoa é baseada no conhecimento e na vivência. O conhecimento é forte ou inteiramente influenciado pelo que é transmitido à criança, pela família, ou pessoas mais próximas. Há sempre uma grande herança cultural, embora essa não seja absorvida automaticamente pelos herdeiros. Ao longo da vida, pela absorção de novos conhecimentos e da vivência pessoal, vai formando, transformando ou consolidando a sua visão de mundo: que pode ser ampla ou restrita. 
Uma pessoa que vive num grotão ou num bairro, sem nunca ou raramente sair desse e sem uma evolução na educação formal, tende a uma visão de mundo restrita ou curta. Está restrita às circunstâncias reais do seu ambiente e à aquisição de conhecimentos adicionais por meios verbais e imagens.

Jair Bolsonaro pela sua história, sua formação educacional e vivência, tem uma visão de mundo restrita ou curta. Com origem em família pobre, em pequena cidade pobre do litoral sul do Estado de São Paulo, fez parte de uma classe média baixa, pela capacidade empreendedora do pai, que se tornou um comerciante bem sucedido na pequena cidade de Xiririca (atualmente Eldorado), até sofrer um baque. 

Como centena de outros jovens de classe média baixa, buscou no Exército uma oportunidade de melhoria da condição de vida, sendo bem sucedido, alcançando a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Mas teve a sua carreira interrompida, por optar pela rebeldia e defender a corporação dos soldados e militares de baixa patente. Esse comportamento "sindical", embora não formalizado, por proibição legal de sindicalização dos militares, quebrando a disciplina militar levou a ser instado a se retirar.
Com a interrupção da carreira, não alcançou os níveis superiores onde aprende estratégias. 
No comando de pequenos contingentes, aprende e se desenvolve em táticas.
Em função de uma opção de carreira tornou-se um eximio paraquedista, alcançando a condição de "mestre de salto", o líder do grupo, comandado o momento do salto. A missão decorre de decisões estratégicas, o salto em sí, é uma questão tática que tem que avaliar as circunstâncias reais do momento. Que podem ser diferente das previsões estratégicas. E sujeitas ainda mudança de vento quando já no ar. Neste sentido, Jair Bolsonaro tem mostrado competência tática, reagindo agilmente às situações. O problema está em ser ágil demais, acabando por ser precipitado.
Migrou para a carreira política, mantido e sustentado por um eleitorado fiel, formado - principalmente - por militares de menor patente, seus familiares e policiais militares. 
Incorporou a visão e a indignação desse segmento social com o aumento da criminalidade, a organização de facções criminosas e a defesa por organizações não governamentais, dos criminosos em nome dos direitos humanos. Sem a contrapartida da defesa dos policiais mortos pelos criminosos. Passou à defesa da solução de armar a população, para a proteção contra criminosos. Como ocorre com a visões de mundo curta, vê e defende supostas soluções para problemas específicos, objetivos e reais, mas sem consideração com todos as demais interações e consequências. 
Além dessa visão armamentista, agregou comunidades evangélicas, formando uma visão de mundo focado nos costumes, de componentes conservadores, contra o progressismo, caracterizado por ele e seus adeptos como "degradação social" e "destruição dos tradicionais valores da família brasileira". 

Com essas bases eleitorais foi reeleito deputado federal por seis vezes, permanecendo todo o tempo, dentro do "baixo clero", sem conseguir emergir desse estamento e com baixa repercussão dos seus agressivos discursos, contra o "politicamente correto", então dominante, dentro das ideologias mais à esquerda. Sem ascender politicamente, manteve e consolidou uma visão de mundo restrita, associada a valores pessoais, familiares e comunitárias. Culturalmente nunca saiu do subúrbio carioca. Mas cuidou que seus filhos tivessem uma educação mais profunda e uma visão de mundo mais ampla. 

A sua visão contrária ao politicamente correto, assumindo pela esquerda, se ampliou contra tudo o que a esquerda defendia, dentro de uma simplificação de que esquerda é comunismo ou socialismo e que no Brasil era representado pela social-democracia, continuado e consolidado pelo PT.
Incorporou, na sua visão de mundo, a de que Lula, o PT e seus seguidores, pretendiam implantar no Brasil, uma ditadura de esquerda, à semelhança da Venezuela e de Cuba e que, com esse propósito, estavam destruindo o Brasil. 
Incorporou o pensamento crescente dentro da sociedade brasileira de que todos os males da economia brasileira decorriam dos erros das políticas economicas do PT, principalmente de Dilma Rousseff. Com isso aderiu plenamente, embora sem entendimento ou embasamento técnico, à proposição do liberalismo econômico. Por ser a alternativa oposta às políticas estatizantes do PT. Encontrou em Paulo Guedes a solução técnica para dar respaldo à sua campanha presidencial, sem se envolver nos aspectos específicos da visão de mundo liberal em economia.
Não mudou por convicção pessoal, dos entendimentos que tinha quando deputado federal, sempre dominado pelos interesses corporativos dos servidores públicos e das igrejas. Aderiu ao liberalismo econômico, por conveniência e oportunismo.
Fez o mesmo com o combate à corrupção, ao se associar ao principal líder dessa ação, reconhecido pela sociedade, dando-lhe respaldo político. Não incorporou à sua visão de mundo, uma política ampla de combate à criminalidade, mas apenas o apoio a ações pontuais, que dominam o imaginário popular. 

Jair Bolsonaro nunca foi bem aceito pela grande mídia tradicional. Essa reune uma visão de mundo, da classe média e da elite de que o político deve ser um estadista, com uma ampla visão sobre os problemas. Ele deve governar a partir da sua sensibilidade política, com o apoio de equipes altamente preparadas e competentes, nas suas diversas área de atuação. 
Jair Bolsonaro, como Lula, por serem políticos populistas, sem grande formação educacional, não foram vistos "com bons olhos", pela grande mídia tradicional, encarnada pelo imaginário popular, como a Rede Globo. 
Lula, com a sua habilidade, conquistou grande parte dessa mídia, reduzindo a contestação à sua pessoa, a setores residuais, até quando ficaram caracterizados as suas responsabilidades nos esquemas de corrupção.
Já Bolsonaro não busca a conquista do adversário, mas prefere o confronto, transformando-o em inimigo.
As inovações tecnológicas criaram uma nova midia, bem usada por Bolsonaro, até porque não tinha acesso à mídia tradicional. 
O sucesso do novo instrumental, tido como decisivo para a eleição de Jair Bolsonaro, faz com que ele mantenha persistentemente o seu uso, com efeitos nem sempre positivos.
A mídia tradicional, confrontada por Bolsonaro, o persegue, tendendo a apresentar sempre a versão negativa de tudo o que ele diz ou faz. 
Bolsonaro incorporou à sua visão de mundo, que a grande mídia tradicional só quer "ferrá-lo" e reage buscando os meios alternativos, seja da mídia tradicional, como das novas mídias, acreditando que está se comunicando diretamente com toda a opinião pública. 
Em síntese, a visão de mundo de Jair Bolsonaro compreende:

  1. uma percepção  (ou versão) de degradação moral, da sociedade brasileira, com as tentativas de destruição dos valores tradicionais da família brasileira, pelo "progressismo";
  2. a solução da criminalidade pelo armamento dos brasileiros, para se defender contra os criminosos;
  3. uma contraposição absoluta, contra a esquerda, considerada socialista ou comunista que querem (na visão dele) implantar uma ditadura comunista, como as de Cuba e Venezuela;
  4. o entendimento de que a esquerda, seguindo os ensinamentos de Gramsci, capturou as escolas nas áreas das ciências humanas, para a cooptação ideológica dos jovens;
  5. a sensação de perseguição pela mídia tradicional, percebida como inimiga que quer destruí-lo;
  6. um alinhamento pleno a Donald Trump, nas suas disputas contra a China, muçulmanos e paises sob dominio comunista;

(cont)







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