Estranhezas no crime de Brumadinho (4)

Chamou atenção, uma vez ocorrido o desastre, o fato da VALE ter instalado um Centro Administrativo, com refeitório acoplado, numa área logo abaixo da barragem. 
Dado o risco, não seria plausível uma decisão como essa por parte da maior mineradora mundial de minério de ferro, por ignorância, ou por mero oportunismo em aproveitar uma área plana e com ligações com o entorno. 
Então porque estava lá, contrariando todos os preceitos da boa engenharia?
Há duas razões plausíveis.
A primeira é a excessiva confiança na engenharia, com a presunção de que a barragem jamais iria romper. Além do mais a barragem estaria desativada, desde que ocorreu o desastre de Mariana. A suposição era de que não havia risco ou era mínimo e as ações de monitoramento poderiam prevenir qualquer risco, prontamente sanável pelas ações de manutenção e correção.
Seguindo as normas de segurança, a VALE providenciou a contração externa de uma inspeção, com renomados especialistas, os quais teriam concluído que a barragem estava estável, sem qualquer risco. 
Ai entraram duas intervenções equivocadas que, somadas levaram à imensa tragédia. A primeira de natureza estrutural, que pode ser caracterizada como a "má engenharia". A contratação dos serviços pelo menor preço, ainda que com competentes especialistas, mas que se sujeitaram a aceitar as condições opressivas e impostas pela VALE. 
Por razões que ainda virão à tona os dirigentes da Bureau do Projetos, participaram de um pregão promovido pela VALE e arremataram o serviço por um preço irrisório, que não pagaria a viagem dos especialistas europeus. Adquirida pela TUV-SUD, de origem alemã que tem como lema  "Inspirando confiança ontem, hoje e amanhã. A marca número um que o mundo escolhe para soluções premium de qualidade, segurança e sustentabilidade que agregam valor tangível ao seu negócio.", os técnicos atestaram a estabilidade da barragem, em agosto de 2018, mesmo não tendo feito uma varredura completa, provavelmente premido pelos custos.
Com isso não detectaram uma provável pequena falha, um ponto fraco que - ampliada por fatores externos - levou ao colapso da barragem. 
Houve, sem dúvida dupla falha da engenharia: a primeira no projeto e ampliação da barragem, com uma metodologia de maior risco e a segunda na inspeção.
A "má engenharia" decorre da cultura da VALE de redução de custos, "a todo custo", sacrificando a qualidade ou amplitude dos serviços de engenharia. 
Mas a engenharia não é inocente nesse processo. Aceita as imposições da ditadura financeira - muitas vezes conduzidas por engenheiros de alta competência - e realizam serviços incompletos, mesmo tendo noção dos riscos.
Munidos de laudos de renovados certificadores, o Presidente da VALE, um competente gestor empresarial, mas inteiramente voltado para os resultados, teria autorizado a reativação da mineração do córrego do Feijão. Mesmo tendo mudado o sistema de mineração, essa reativação teria tido impacto sobre a represa de rejeitos. 

Confiando em laudos de especialistas de renome, mas contratados para serviços incompletos, a VALE presumiu "risco zero" e implantou - contrariando os preceitos da engenharia - um centro administrativo à jusante da barragem, provavelmente por razões econômicas. Era mais barato que levar o centro para uma área mais alta que iria requerer obras de terraplanagem, seja para o próprio centro, como para o seu acesso. 
Prevaleceu a visão do lucro, do menor custo, para aumentar o EBTIDA, maiores dividendos aos acionistas e maior bônus e manutenção no cargo dos executivos.
Esse modelo, que os críticos vem caracterizando como de "ganância" coloca os executivos num dilema: se alcançam as metas, se obtém os resultados, terão uma boa remuneração, com "gordos" bônus e progressão na carreira. Se não conseguirem fazer as "entregas estabelecidas" não perdem apenas os bônus. Perdem os seus empregos, com isso os salários básicos. São colocados no famoso dilema "matar ou morrer". 
Infelizmente para mais de 300 funcionários da VALE, moradores do entorno e até visitantes, eles os mataram. Com o uso da "má engenharia".
Se essa cultura que passou a dominar a gestão empresarial não for superada, muitas outras mortes irão ocorrer. Com a engenharia apontada como uma das principais culpadas.

(cont)


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