A comoção geral causada pela mega tragédia de Brumadinho não pode encobrir um continuado crime que mantido irá causar novos desastres: a falta de engenharia, a falsa engenharia (fake engineering) ou a má engenharia.
A engenharia brasileira caminhou muito bem até a década de oitenta, do século passado, sendo reconhecido pela sociedade, pela sua capacidade de construção, de inovação e contribuição para o desenvolvimento do Brasil. A engenharia era orgulho da sociedade brasileira.
Ainda nos anos oitenta, por um conjunto de circunstâncias, mas principalmente, a extorsão por parte de agentes públicos, a engenharia passou a trilhar o caminho do mal, aceitando e ampliando as relações espúrias com os representantes do Poder Público. Esse processo alcançou o auge, na segunda década do novo século.
O desvendamento, pela Operação Lava Jato, desse processo aético, evidenciou para a sociedade os mecanismos anteriormente discretos e promoveu uma ampla destruição da engenharia brasileira. Suas maiores empresas e seus dirigentes foram fortemente penalizados, criminal e economicamente. Elas estão hoje em situação pré-falimentar ou se retiraram do mercado. A capacidade técnica formada e acumulada ao longo de muitos anos se esvaiu rapidamente pelo ralo da corrupção.
A imagem da engenharia brasileira sofreu abalo maior. De orgulho da sociedade brasileira se transformou na vergonha da sociedade.
A reação dos contratantes públicos, pressionados pelos órgãos de controle, foi disseminar a contratação da engenharia, pelo menor preço, desprezando as diferenciações de qualidade técnica, segundo duas visões preconceituosas: a qualificação técnica é percebida apenas como mecanismo de restrição da concorrência, favorecendo a formação de cartéis e a combinação de preços, entre os poucos com qualificação. O que tem fundamento em fatos reais.
O preço oferecido pelos concorrentes embutiria as provisões para as propinas, de tal forma que a compressão dos preços eliminaria esse adicional, barateando os custos das obras.
Essa visão simplista, sob domínio de conceitos econômicos e jurídicos, sem a devida compreensão dos custos da engenharia, juntamente com a suposta redução das margens para corrupção, eliminou a capacidade de desenvolvimento tecnológico e inovação das empresas de engenharia.
A aplicação generalizada do critério do menor preço, alcançando tanto os estudos, projetos e implantação (ou construção) agravou a qualidade técnica das obras, com soluções medíocres ou tecnologicamente obsoletas, estudos e levantamentos simplificados, com menor detecção dos fatores de risco e projetos incompletos.
O desgaste da imagem da engenharia brasileira reforçou um modelo oposto ao internacionalmente adotado, para obtenção de maior eficiência nas obras, reduzindo o custo total e o tempo de execução: maior empenho do projeto, com a contratação dos melhores técnicos, levantamentos mais completos das condições ambientais naturais e construidos, e tempo adequado para a sua elaboração.
A contenção dos preços dos serviços de engenharia, fez com que muitos bons engenheiros migrassem para a atividade financeira e outras atividades com melhor remuneração, as empresas e os engenheiros não pudessem ter recursos para capacitação e inovação e, o mais grave, ampliasse os riscos nas obras de engenharia.
Alguns desses, infelizmente se concretizaram, sempre com perdas econômica e de vidas humanas. O "buraco" numa obra do metrô de São Paulo, a ruptura da barragem de rejeitos em Mariana e agora a tragédia maior, com centenas de vitimas fatais, na ruptura da barragem de rejeitos em Brumadinho, em Minas Gerais, decorreram de economias no projeto, na construção, na manutenção, e na inspeção, que resultaram em custos desproporcionais às economias.
A engenharia é a responsável direta pelas falhas que resultaram nos desastres, mas não pode mais continuar aceitando se submeter às condições opressivas dos contratantes, acabando por ser criminalizado e ser penalizado como o culpado principal ou até único.
No caso da Vale a engenharia é o elo fraco de um sistema que prioriza o lucro em detrimento da técnica, do meio ambiente e, principalmente, de vidas humanas.
A engenharia é cúmplice desse processo perverso, mas acaba pagando por todos os crimes do sistema, como acaba de ocorrer, com a prisão dos engenheiros que falharam na constatação dos problemas.
(cont)
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