Ela, a minha mãe e a Sra. Sato, eram muito amigas, com frequencia mútua nas suas casas. Levando os filhos. Os filhos tiveram grande convivência, reunidos também pelos cursos de férias (de natação) do prof. Sato. O Ruy, o Hiroo Sato e o meu irmão Shoiti se envolveram a criar um jornalzinho, tirado no mimeógrafo a alcool, sob o título Vida Aquática.
Fomos estudar na mesma escola: no Parque D Pedro II. Para entrar tinha o exame de admissão: o Ruy passou em primeiro lugar. Eu nem sei em que lugar, lá pra trás.
Convivi muito com a família Ohtake, na casinha da Rua da Paz, 96 na Mooca, onde ia de bonde. Com a Obassan abandonada pelo marido, cuidando sozinha dos dois moleques, como eu. E, uma dona de casa, preenchendo o tempo escrevendo. Em japonês.Tentou ser uma escritora. Chegou a me mostrar uns escritos, mas eu não sabia ler. Até que resolveu começar a desenhar e depois pintar. Ai com os moleques crescidos indo para a faculdade, seguimos caminhos distintos e passei a acompanhar o sucesso da família, de longe, como outros milhões de brasileiros. Mas ganhei dela, o carinho e um quadro no meu casamento (abaixo)
Há uma curiosidade que vou registrar. No tempo da guerra, o governo brasileiro exigiu que as famílias alemãs, italianas e japonesas colocassem nomes brasileiros. Não sei o nome brasileiro que Tomie, eventualmente acrescentou. Mas meu pais Kiyoshi incorporou um André. Agora o meu sobrinho André deu ao seu filho o nome de Kiyoshi. Minha mãe Akiko acrescentou uma Ana, que é o primeiro nome da minha filha Ana Paula, e Camila é também Akiko. Meu irmão mais velho, já falecido, teve um Antonio no seu nome Shoiti. E o Kenzo, Roberto. Só eu não tive que assumir um nome brasileiro, porque o escrivão entendeu que o nome Joji, anunciado pelo mei pai seria Jorge. Os nomes foram adotados em batismo, mas sem o registro oficial.
Entre os Ohtakes, o Massashi, o mais velho e meu contemporâneo, ganhou um Ruy e o Itsuo o Ricardo. Mas conhecido por nós como Cau.
Com o término da guerra, acabou a exigência, e meus irmãos foram deixados os nomes brasileiros, ou em língua portuguesa. O fotógrafo das praias Shoiti acabou virando um Show it, até hoje presente na revista Trip. Antonio sumiu. Se alguém chamar o Kenzo de Roberto ele nem vai atender ou levar um susto.
É apenas uma historinha de quem teve a felicidade de conviver com essa formidável senhora. Que foi mas deixou um imenso legado que alegra e comeve a nossa vida.
A sua capacidade de comover ao deparar com uma obra sua é impar.
Para complementar transcrevo o e-mail do meu irmão Kenzo.
Hoje foi um dia triste e que mexeu muito com as minhas lembranças da infância. Tomie Ohtake partiu.
Longeva centenária, um marco na arte brasileira.
Trabalhos incríveis, muitos trabalhos espalhados pelo Brasil inteiro e no exterior. Era a única sobrevivente da geração da minha mãe e amigas.
Conheci Tomie ainda na infância, as nossas famílias eram amigas. Ela, minha mãe e mais outras 7 u 8 senhoras senhoras se reuniam periodicamente com o Professor de Natação Sato. E os filhos todos aprenderam a nadar com ele nos cursos de férias. A colonia japonesa em São Paulo ainda era pequena e praticamente todas as famílias se conheciam. Ela me chamava de Kentchan (=diminutivo e para crianças)
E os filhos formavam então, um grupo muito unido de amigos e amigas, crescemos juntos e era costume frequentar as casas de todos.
Ricardo, o filho mais novo, era meu amigão, crescemos juntos, tendo fases que encontrávamos quase que diariamente e todos os finais de semana para ir aos bailinhos. Isto até entrar na faculdade, ele fez arquitetura na FAU e eu fui pra Geologia.
Daí pra frente era a fase que as pessoas se separavam. Só estudar e se formar. Depois de formado a procura do trabalho, trabalhando muito, depois vem o casamento, filhos, e cada um toma rumos diferentes.
Para mim, desde pequeno, aprendi a ter muito respeito pelas pessoas mais velhas. Jamais seria permitido que eu a chamasse ou me referisse a ela como Tomie. Acho que nem sabia desse nome, pois para nós ela era Ohtake-san no Oba-san = Sra. Ohtake.
E vendo a reportagem e a entrevista que ela deu em 2009 para o canal Arte 1, voltei ao saudoso passado ao ver uma foto tirada na frente da casa da família - ainda gravada na minha memória - Rua da Paz, 96, Moóca, um pequeno sobrado geminado, e outra com os dois filhos - Ruy e Ricardo.
Quando ela começou a pintar, não lembro a data, mas lembro-me que o "atelier" era o que na época todas as casinhas tinham - uma sala de visita, que ficava na parte da frente da casa. Era um comodo tão pequeno que ela tinha que sair fora e ver pela janela, como estava o quadro que ela estava pintando.
Mais pra fente, já adolescente, lembro que a casa estava cheia de quadros em todos os lugares, inclusive quadros muito grandes encostados na paredes. Só depois que o Ruy se formou e estava se tornando um arquiteto famoso pelos seu projetos arrojados de concreto aparente, é que ele projetou e construiu uma casa enorme que coubesse o atelier dela com tudo que fosse necessário. Como perdi completamente o contato com eles todos, pode ser que eu esteja errado.
E ela não parou mais de trabalhar. Trabalhou até a véspera de ser internada no começo deste mês e estava querendo a alta para poder voltar para casa, pois tinha muito que fazer. Infelizmente, não conseguiu. Um engasgo levou a uma parada cardíaca, que a levou.
Uma grande perda, deixa um acervo enorme de trabalhos e a sua marca nas esculturas públicas espalhadas em pontos estratégicos da cidade que ela, recém chegada do Japão escolheu e sempre amou muito - São Paulo.
A única coisa que teve extrema dificuldade nesta vida centenária, foi falar o português. Tinha muita dificuldade para encontrar as palavras e se expressar. Daí, não ter muita entrevista gravada.
Toda vez que eu a encontrava falávamos em japonês.
E assim, mais uma vez, vai-se o artista, mas a sua obra fica.
Com muita tristeza, mando meu pêsames ao meu amigo Cau - Ricardo e ao Ruy. Quem for ao velório transmita essa por mim. O velório segundo informado na TV será amanhã (sexta) no Instituto Tomie Ohtake em Pinheiros, Sampa.
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