sábado, 4 de fevereiro de 2017

A ilusão da mudança do CEASA

Um velho artigo para mostrar porque projetos voluntariosos não dão certo. Foi publicado originalmente hà dois anos atrás.

Entrevista do Prefeito Haddad ao jornal "O Estado de São Paulo" anunciando cinco projetos de impacto para a cidade faz lembrar os pronunciamentos de Dilma e do seu ex-Ministro Guido Mântega, anunciando com toda pompa e certezas absolutas projetos governamentais. Segundo aqueles pronunciamentos tudo tinha a sua razão de ser, eram lógicos, necessários e iam dar certo. Porque ela queria e queria que dessem certo. E o país era obrigado a acreditar.

Agora o país tem que passar por um sério ajuste para corrigir os erros. Eram baseados em premissas falsas ou inconsistentes. Eram baseadas em percepções idealizadas da realidade.


Aqui vamos nos ater ao projeto mais vistoso que é a nova tentativa de tirar o CEAGESP da Vila Leopoldina e levá-lo para junto ao Rodoanel. 


O Governo do Estado estudou diversas vezes e acabou desistindo. Há várias questões envolvidas.


A mais importante é de natureza logística. O CEAGESP é um entreposto, portanto recebe mercadorias especializadas "em grosso" e vende os diversos alimentos aos restaurantes e, em dias certos, até aos consumidores pessoais.


Para tirar os caminhões pesados que trazem as mercadorias, Haddad quer levá-los para mais longe, perto do Rodoanel. Tem muita lógica. Não penso diferente. Mas com isso ele vai levar os donos dos restaurantes também para mais longe para ir buscar as mercadorias para servir aos seus clientes.


Os custos logísticos do atacado vão cair, embora não muito. A diferença de mais 10 km não vai fazer grande diferença no custo de movimentação de mais de 100 km. A redução de custos será pelos não congestionamentos. 


Já os custos para os "restauranteurs" vai aumentar, pois mais 10 km em um trajeto de até 20 km vai ser significativo. 


Então o que pode acontecer é que parte dos atacadistas não se mude. Ou até se reorganize para atender aos compradores dos restaurantes. 


Isso ocorreu com a pretendida transferência do Mercado Central para o CEASA. 


Participei, embora como coadjuvante, desse processo. O objetivo do Governo do Estado era, em parceria com a Prefeitura Municipal, construir um grande centro de abastecimento, afastado da cidade, mais próxima à rede rodoviária, tirando o então centro atacadista da região central e promover uma ampla urbanização e modernização. Paris tinha um projeto similar.


O CEASA foi construído, na Vila Leopoldina, junto a um conjunto de fábricas e de armazéns, ao lado da Marginal Pinheiros, próximo da Marginal Tietê, e próximo da saída da rodovia Anhanguera, existente, e de duas grandes rodovias em projeto, que posteriormente foram implantadas: a Castelo Branco, em direção ao oeste e a Bandeirantes, na direção norte.


Muitos atacadistas mudaram do Mercado Central para o CEASA, mas não todos. Algumas atividades instaladas próximas àquele, mas não dentro, como o polo cerealista não se mudou. 


O Mercado central, semi-abandonado decaiu e promoveu a decadência do entorno. O grande projeto residencial no entorno destinados a moradia de profissionais liberais e outros trabalhadores no centro da cidade, foi transformado num imenso cortiço vertical (ou favela vertical), incorporando um grande contingente de prostitutas, traficantes e criminosos. 


O São Vito, o maior prédio residencial em altura da cidade de São Paulo, que deveria se transformar num marco da cidade, cumpriu a sua missão, mas com o sentido contrário. Em vez de ser o marco da modernidade se tornou o grande marco da decadência. Com a revitalização do Mercado Central o São Vito se tornou uma excrescência e teve que ser demolido.


Na transferência do CEASA há uma grande diferença com relação à pretendida transferência do Mercado Central. 


No terreno atual do CEASA se pretende desenvolver um grande projeto imobiliário. "É ai que mora o perigo!". Os urbanistas intervencionistas e estatizantes querem um projeto público, preferencialmente um parque ou, um grande conjunto de habitação social, para que poderia abrigar todo os favelados da favela em frente, do outro lado do rio. Eles são contra a especulação imobiliária (que é a visão deles da valorização imobiliária) e conforme a chamada do título da matéria complementar "Urbanistas temem interesse privado nas propostas".


É a grande ilusão desses urbanistas. Ou o projeto segue o interesse privado ou é inviável e não será efetivado. Pelo menos a curto prazo.


Para que não se repita o fenômeno da fracassada tentativa de tirar o polo atacadista do centro da cidade, será necessário que o interesse privado imobiliário se sobreponha ao interesse dos atacadistas, ocupando todos os terrenos ora ocupados pelos armazéns, transformando-os em prédios de escritórios ou residências.


Esse processo ocorreu na Vila Olimpia, uma enorme área de depósito e de oficinas, com uma grande favela numa área junto à Marginal. Hoje já é raro encontrar algum depósito ou oficina. Um isolado "ferro velho" ainda está na rua Lourenço Gomes, mas já foi cercado por dois prédios de escritórios, um deles em fase final de execução da obra.  Qualquer dia desses acabará também expulso do local. 


Na Vila Leopoldina, enquanto o mercado imobiliário não tomar os armazéns, esses serão tomados pelos atacadistas que manterão algumas das atividades do antigo CEASA. 


O processo histórico é conhecido. Os atacadistas serão obrigados a se transferir para o novo CEASA, mas alguns vão permanecer nos arredores, aproveitando a existência de vários armazéns vazios ou ociosos. Dada a distância e as dificuldades logísticas de retorno, muitos dos donos de restaurantes desistirão de se suprir no novo CEASA e buscarão os que permaneceram ou estão no mercado central.  Os que se transferiram, ao perceber um movimento mais fraco, voltarão para a região.


O Poder Público tentará evitar esse retrocesso adotando medidas restritivas de uso, ocupação do solo, regulação de trânsito e outras medidas. Isso foi tentado no caso do Mercado Central, mas só foi eficaz por curto prazo. Tão logo o Poder Público afrouxou as atividades voltaram. 


Não basta a mudança física. É preciso toda uma estratégia para garantir a eficácia do projeto, ou confiar na sorte. Na realidade não é sorte. É a dinâmica do mercado imobiliário, ou como dizem os urbanistas, a especulação imobiliária. Sem esta um projeto como o da transferência do polo atacadista da Vila Leopoldina não se efetivará. 


A outra ilusão que cerca um projeto como esse é a idéia de que poderá ser feita com exclusão dos carros. Sem espaço para os carros, sem áreas de estacionamento, não haverá revitalização da região.






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