terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A politização do fenômeno social

Um fato social corriqueiro pode não ter conotação política, mas ganha-a pela reação dos outros, da sociedade, da opinião publicada, seja a tradicional como a das redes sociais. Na falta de uma denominação corrente, chamaria essa de opinião publicada virtual ou digital.

Os rolezinhos verdadeiros, encontros de jovens da periferia, para passear, para se divertir, para lanchar, para tomar sorvete, para encontrar as minas e manos, para rolar beijo na boca, eram corriqueiros, marcados por telefone, pela comunicação pessoal "boca a boca", ou até por tradição.

Quando passaram a ser marcados pelo facebook ganharam outra dimensão. Passaram a reunir um volume maior de pessoas, tornaram-se notados e a reação dos outros acabou sendo política, pela emergência dos preconceitos. Os outros se assustaram e reagiram de forma repressiva e discriminatória. Essa reação deu margem a que pessoas ou grupos com posições políticas usassem ou pretendessem usar o fenômeno espontâneo em manifestações políticas. 

Os rolezinhos marcados e realizados em shoppings mais próximos das áreas de alta concentração de moradias populares, como o Itaquera, Guarulhos, Interlagos, Campo Limpo e outros não tinham conotação política, não eram manifestações de protesto ou de qualquer outra motivação que não a da diversão. Mas foram tratados pelos lojistas, pelas administrações dos shoppings, pelos demais clientes, pelos Governos, pela policia, pela mídia tradicional e por tantos outros, como movimentos de intenção criminosa.
Os rolezinhos foram criminalizados e tratados como tal. O indicador mais claro dessa percepção foram as fotos, já mostradas aqui no blog, dos jovens com tarjas pretas ou rostos borrados, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, em relação aos menores suspeitos de crimes.
Já o suposto rolezinho convocado para o Shopping JK Iguatemi tinha conotação política, com o objetivo de "invadir e perturbar" a burguesia consumidora, no seu maior templo. E fez aflorar de forma intensa os preconceitos. O shopping sentiu-se ameaçado e tomou medidas preventivas que foram caracterizadas como discriminatórias. A politização, a ideologização foi ainda maior. 

O que vai acontecer na sequência? Que lições podemos aprender com o processo social ocorrido ou em andamento. A questão não é mais, ou apenas, os rolezinhos verdadeiros, mas a reação social a esses e os movimentos políticos subsequentes. Um das lições principais é a emergência da opinião publicada virtual.

Uma guria, formada em antropologia,  que acompanhou o fenômeno do consumismo dos jovens pobres no Rio Grande e fez uma belíssima carreira acadêmica no exterior. Tornou-se professora na Inglaterra, mantendo um blog que trata de questões brasileiras, como chinesas, (http://rosanapinheiromachado.wordpress.com )  foi quem melhor soube interpretar e explicar esse fenômeno social, denominado rolezinho, tendo sido entrevistada por diversos meios de comunicação tradicional. 

Rosana Pinheiro Machado, tornou-se - momentaneamente - uma celebridade e, militante ou integrante da esquerda, fez críticas acerbas às interpretações e colocações da direita, o que levou a milhares de visualizações das suas postagens e comentários, contra e a favor. Os contra, recheados de ofensas e ameaças. Já vivi isso.

É a emergência de um novo fenômeno social, ainda não claramente percebido: a opinião publicada virtual.

A mídia tradicional tem um pequeno alcance. Jornais e revistas com opiniões, sejam nas colunas próprias, como no viés das notícias, não são consumidos ou lidos pela população pobre. Anteriormente se dizia que nas comunidades pobres só servia para embrulhar a carne ou o peixe, quando consumível. Hoje nem isso. 

Jornais e revistas são elementos de comunicação da classe média que se autoalimenta e se autolimita, achando - no entanto - que se comunicam com todo o mundo.

Com a emergência de novos instrumentos de comunicação, como o blog, e os que dão suporte às redes sociais, inicialmente o orkut, depois o facebook e o twitter, a opinião publicada se ampliou com a incorporação dos internautas.

O novo padrão de comunicação é o "conceito twitter": textos curtos. As eventuais análises precisam ser concisas e sem grande profundidade. Não há espaço para textos longos, como este. Pouco lêem.

O principal elemento é a interação. A opinião publica não está nos textos iniciais, mas nos comentários e nos debates entre os comentaristas. 

Muitos não comentam, apenas curtem, mas são influenciados pelas informações. Não por outro motivo, os meios de comunicação tradicional tem os seus blogs, portais, sítios, perfis e outros instrumentos da vida internáutica.

Suponho que, hoje em dia, grande ou a maior parte da formação da opinião pública decorre da opinião publicada virtual. 

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