sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O papel da ANA

 As atribuições dadas à Agência Nacional de Águas - ANA representam mais uma tentativa de federalizar os serviços de saneamento o que - na prática - só gerará maior insegurança jurídica, com os questionamentos dos Municípios maiores às interferências federais, o que terão de ser dirimidas pelo STF, depois de muito tempo.

Como ocorreu com a tentativa dos Governos Estaduais em tentar assumir a titularidade dos serviços, nas regiões metropolitanas, com a tese do interesse comum, que se sobreporia ao interesse local, que garante a titularidade aos Municípios.
Se não sou o autor da tese, fui um dos primeiros a levantá-la, quando consultor do GEGRAN, que foi formatada juridicamente por Alaor Café Alves, com apoio de outro consultor do GEGRAN, Eros Grau, em função da criação de Regiões Metropolitanas, pela Emenda Constitucional de 1969.  A Constitutição de 88, além das Regiões Metropolitanas, regulou os aglomerados urbanos.
A solução do STF , ocorrida somente em 2013 foi conciliatória, definindo a titularidade compartilhada entre o Estado e o Município, ou municipios em função da extensão dos sistemas.
A Constituição de 88 não prevê nenhum poder específico da União em relação aos serviços de saneamento, mas uma atuação indireta, seja pela sua competência com relação às políticas urbanas e às águas.
As políticas públicas de regulação das águas nunca haviam colocada a destinação das águas para o saneamento, com prioridade da ANA para o uso das águas para o setor elétrico. Os demais usos sempre ficaram dependentes das decisões sobre a energia hídrica, inclusive transporte hidroviário e mesmo a destinação para a agricultura, o principal uso das águas doces. Sucessivas crises hídricas, por carência de chuvas, levaram a ANA a ter que cuidar dos demais usos. A mais recente foi a crise hídrica com o esvaziamento das represas formadas para reter as águas para efeito do abastecimento urbano. O mais notório foi o das reservas do Sistema Cantareira em São Paulo, que tiveram que bombear o "volume morto" para garantir a continuidade do abastecimento da cidade. 
Com o propósito de transpor águas da bacia do Paraiba do Sul, que abastece o sistema hídrico do Rio de Janeiro,  a ANA foi chamada, evidenciando a dependência dos sistemas de saneamento das águas e a necessidade de devida regulamentação e gestão.

Os serviços de água e esgotos são tradicionalmente formatados em função do abastecimento de água potável e coleta de esgotos domiciliar o que traz consigo as demais etapas da cadeia produtiva e os caracterizam como serviços de interesse local.
No entanto, com o crescimento da cidade e o extravasamento dos sistema para além dos limite do Municipio, embora as pontas continuem locais os sistemas de captação e tratamento das águas, os serviços maiores tornaram-se intermunicipais. Mas a base local continuou prevalecendo para todo o sistema, com a titularidade dos Municipios prestadores dos serviços de distribuição da água e coleta de esgotos. Para equacionar essa confusão, o Supremo aprovou a solução compartilhada, reconhecendo a participação do Estado Federativo na titularidade, mas sem eliminar a titularidade municipal.

Na outra ponta do sistema estão os corpos d'água de onde são retirados a água destinada ao abastecimento domiciliar, na outra ponta, assim como são despejados a água tratada (ou não) dos esgotos. 
O Governo e o Legislativo Federais, aproveitando essa circunstâncias buscam por lei ordinária, ora aprovada, federalizar a sua regulação, atribuindo poderes à ANA. Porém como a lei ordinária está abaixo da Constituição, qualquer Municipio que não concorde com as condições que venham a ser estabelecidas pela ANA, poderá questionar a sua constitucionalidade, pleiteando a prevalência da lei municipal em relação ao regulamento da ANA.
Os recentes embates sobre as atribuições dos Estados e Municipios em decretar restrições ao funcionamento de atividades, mesmo quando decretos federais autorizaram, indicam que - fora alterações constitucionais - a União não pode subtrair poderes independentes  dos Municipios em definir as suas regras sobre os serviços de água e esgotos, inclusive a definição de tarifas, ou as suas formas de reajuste.
Ou seja, a atribuição por lei federal de poderes regulatórios à ANA não resolve os problemas, como cria mais um, agravando a insegurança jurídica para os concessionários.

Por outro lado, a ANA não está organizada para fiscalizar os quase 6 mil municipios brasileiros, a maioria de pequeno porte. Terá que se concentrar nas maiores, que mesmo assim, são centenas, muito mais que o volume total das concessionárias de energia elétrica e de outros serviços sujeitos à regulação federal. Só servirá para engordar ainda mais a já inchada máquina administrativa federal.

Com todos esses problemas ficaremos ainda mais longe da desejada universalização do saneamento. 


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