quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Projeto Nacional Hegemônico (2)

Diante da persistente crise econômica - que decorre do enfraquecimento crônico do modelo do mercado interno - um novo modelo está em curso, em função do sucesso, também continuado e em crescimento, mas que ainda não alçou a condição de se tornar um projeto nacional. 
Trata-se do agronegócio, voltado para o mercado externo, contrapondo-se ao modelo da industrialização voltada para o mercado interno.
Ainda não passou a dominar o pensamento econômico, mas tem crescido em função das contestações externas e internas, obrigando os seus adeptos a sairem em sua defesa. Assim como defender a sua principal líder atual: a Ministra da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina.
Mais do que os resultados da produção, com sucessivos recordes, a contribuição para garantir o abastecimento e a segurança alimentar dos brasileiros, assim como contribuir decisivamente para a segurança alimentar da humanidade, já com 7,5 bilhões de bocas a serem alimentadas, a geração dos superavits comerciais e maior participação na formação do PIB, faltam ao agronegócio algumas condições que limitam a sua aceitação pela sociedade como base de um novo projeto nacional, substituindo o envelhecido anterior. 

A primeira e mais importante é que não é o responsável pelo aumento do desflorestamento ou desmatamento e dos incêndios florestais. 

Não precisa, mas efetivamente segmentos marginais do agronegócio promovem indiretamente os desmatamentos e incêndios. As lideranças responsáveis do agronegócio precisam assumir um autocontrole para eliminar das suas hostes os predadores que prejudicam a sua imagem geral. Não podem ficar na dependência do Governo para as ações regulatórias e fiscalizatórias, até porque - na prática - dominam certos segmentos da própria máquina pública.

A segunda é de que se trata de produtos de baixa tecnologia, de produção rudimentar - baseada em imagens antigas da enxada - e de baixo valor agregado e que o Brasil não pode voltar a ser um país dependente da exportação de produtos primários, atualmente caracterizados como "commodities".

Os principais produtos de exportação ao atual agronegócio brasileiro são os originais  desenvolvidos ou transformados pela tecnologia, com elevada agregação tecnológica, a maior parte desenvolvida pelo e no país, notadamente pela EMBRAPA.

Além disso as matérias primas incorporam sucessivos valores até chegar à mesa do consumidor na forma de alimentos prontos, o que gera enormes oportunidades para a industrialização, comercialização e prestação de serviços, que podem ser adequadamente aproveitados pelo Brasil. O agronegocio deve ser entendido de forma completa, por todo o seu ciclo, a partir do cultivo até o consumo final. 

O terceiro grande obstáculo é superar a visão dos cidadões urbanos que acham que o agronegócio se limita ao campo, não alcançando as cidades. Essa visão limitada leva a uma inaceitação de dependência do Brasil, de um produto rural, visto como um retrocesso histórico e uma antimodernização promovida pela urbanização. Nem sempre as pessoas percebem que o seu café da manhã, com leite, café, pão e manteiga (ou margarina) são parte do agronegócio, que a origem está no campo, mas chega a ela, em sua mesa.

Associada a essa visão está o pensamento de que a modernização e evolução sucessiva está na transformação industrial, mediante incorporação de tecnologias, e basear-se em produtos primários é um retrocesso, um atraso.

O sucesso da produção e comercialização dos grãos brasileiros é um dos responsáveis por essa visão. A mídia dá grande destaque a esse sucesso, estando muito presente, não só no imaginário popular, como no imaginário da elite brasileira.

Para a sociedade urbana, para os intelectuais e outros que formulam o pensamento e a visão nacional, o agronegócio é percebido como  uma produção e exportação de grãos.  Com elementos positivos e negativos.

No entanto, o produto que chega à mesa do brasileiro é industrializado, transformado mediante processamento industrial.

Voltando à mesa matinal, o leite "em caixinha" não é o leite na condição natural, recolhido da ordenha da vaca. Passa por processos industriais de pasteurização,  de envasamento nas caixinhas para ser comercializado, passando por fases de transporte, atacado, varejo até chegar à casa do consumidor.  O valor que o consumidor paga pela caixinha do leite, tem uma pequena parcela do produtor e a maior da industrialização, da logística, da comercialização e da marca. 
Quando a consagrada cantora Ivete Sangalo, soletra o PI-RA-CAN-JU-BA, na televisão, isso é também agronegócio. 
Se o leite é transformado em manteiga,  queijo, iogurte ou creme há maior agregação de valor. 
Pode ainda ser transformado em leite em pó, mediante processamento industrial.
Ou seja, o leite ou derivado que o ser urbano consome é um produto do agronegócio, originário do campo, mas cuja composição de  custo ou valor  é predominantemente industrial ou de serviço. 
O café que é consumido nas cidades é também agronegócio, mas não café verde, com colhido do cafezal. É torrado, moido, ensacado por processos industriais. Se for em cápsulas, o valor da industrialização é muito maior e o Brasil ainda importa parte das cápsulas, contendo o seu café.
As pessoas não consomem o grão de soja, exceto quando na forma de "edamame" nos restaurantes japoneses. Mas consomem, em grande escala, o óleo de soja, o mais comercializado e usado para frituras. 
Mesmo o frango inteiro ensacado e refrigerado, passou por fases industriais, ocorrendo também com outras carnes.
Toda alimentação faz parte do agronegócio e não se limita ao campo, mas contém mais custo de processamento industrial, e de serviços do que do produto gerado no campo.

A grande produção no campo permitiu ou promoveu o estabelecimento e desenvolvimento de uma potente industria de alimentação, assim como toda uma rede de logística e comercialização.  Também do desenvolvimento de serviços, seja de desenvolvimento tecnologico, como de marketing. As barras de creais são produtos da inovação tecnológica. 

A conversão dessa indústria de alimentação, atualmente predominantemente voltada para o mercado interno, para um suprimento mundial, com grande ampliação de escala, seria a base da reindustrialização brasileira.

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