quinta-feira, 17 de abril de 2014

Moradia e trabalho no mesmo imóvel

"Apertado" ontem na entrevista no programa Urban View sobre a solução para aproximar a moradia do trabalho e vice-versa, reemergiu uma velha ideia, sepultada na memória, da casa-trabalho. À mais de quarenta anos,  propus a ideia, cheguei a participar de algumas tentativas de implantação, mas acabou sendo inviabilizada pelas restrições da legislação do trabalho. Diversamente de outras idéias que abandonei e outros as desenvolveram e colocaram em prática, essa - infelizmente - não prosperou.

Vou aproveitar para registrar aqui a idéia, antes que ela seja soterrada novamente. 

O foco da ideia é que as pessoas de baixa renda, trabalhem e gerem renda na sua própria moradia. A partir dessa idéia os projetos habitacionais da então casa popular, hoje, habitação de interesse social, ou faixa 1 do MCMV não se destinasse exclusivamente à moradia, mas fosse projetada como casa-trabalho: a casa da doceira, a casa da costureira, a casa do marceneiro, a casa do lojista, etc. etc.

A casa da doceira deveria ter um espaço de cozinha maior, a da costureira a sala para a costura e para o estoque, a loja na frente e a moradia aos fundos, etc. etc.

As casas deveriam ser individuais e não em edifícios e coletivos e com área de terreno para expansão.

A concepção é da formação de núcleos de moradia-renda e não exclusivamente de moradia. Esta é uma solução que ocorre muita na realidade, porém de forma clandestina e irregular. 

A idéia sofreu duas grandes restrições: a primeira dos gestores dos programas habitacionais, sob a alegação de que isso encareceria o investimento no imóvel e tornaria inviável a sua aquisição pela baixa renda. A minha contraproposta era o subsídio direto, que não era aceito. Hoje as coisas mudaram com o MCMV, o Governo Federal admitiu o subsídio e em São Paulo é complementado pelo Governo Estadual.

Ademais como - em geral - os programas são dominados pelos arquitetos são dominados pela ideologia da separação entre o morar e o trabalhar.  É uma perspectiva "pequeno burguesa" da maioria dos arquitetos que são de classe média e tem uma visão assistencialista e romântica sobre como os pobres devem morar. Isso também está mudando, diante da realidade das cidades dormitórios.  Hoje muitos são contra elas, mas grande parte resultaram de projetos habitacionais públicos.

Os projetos da moradia popular continuam sendo planejados e projetos para serem "cidades dormitórios".  
Precisam mudar para a instalação de núcleos de moradia-renda.

Porém mesmo sem o projeto da casa-trabalho  muitas pessoas se adaptaram para a sua viabilização, contrariando a regulação pública urbana, mas não conseguiram superar as ações do Ministério Público do Trabalho. 

Ao trabalhar com o micro-crédito uma das propostas foi viabilizar o modelo da facção na produção de vestuários, principalmente do jeans, então entrando forte do mercado. Estive na Itália para ver, na prática, como a coisa funcionava.

Uma das idéias era simples. A costureira ganhava uma máquina de costura e um treinamento básico. A partir dai ela recebia um lote de calças cortadas, trazida por uma kombi, ou similar, e fazia a costura final, incluindo a colocação dos bolsos e até as etiquetas. A mesma kombi passava pela comunidade, entregando um novo lote e recolhendo as calças prontas. 

O designs, a escolha do material, o corte eram da fabricante, com alto nível de automação e ganhos de escala. O acabamento que era artesanal era distribuido entre as faccionistas.

É uma saída de trabalho e renda para muitas moradoras das comunidades pobres, mas é caracterizada como "trabalho similar à escravidão". Alguns grandes empresas foram punidas por essa prática e impedidas de dar continuidade. O resultado é que elas ficaram sem o trabalho e sem a renda. Para sobreviver são obrigados a buscar o trabalho em locais distantes da sua moradia, contribuindo para a piora da mobilidade urbana. 

Não havia como esconder a realidade. Eram (e ainda são), em geral, trabalho degradante, com exploração econômica.
Por ser um trabalho autônomo é natural o excesso de horas para cumprir a produção no tempo determinado. Ou melhor do calendário, com a programação da passagem da kombi, para recolher a produção pronta.

É uma saída, mas irregular. Seria possivel manter a solução, superando as irregularidades e aproximar o trabalho junto à moradia?

Fica o registro, como desafio.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lula, meio livre

Lula está jurídica e politicamente livre, mas não como ele e o PT desejam. Ele não está condenado, mas tampouco inocentado. Ele não está jul...