quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A reconstrução da engenharia no Brasil

As empresas que orientaram os seus negócios para fornecer ao Estado, principalmente na área da construção, as chamadas "empreiteiras", tinham noção das regras do jogo. A propina, era parte inseparável dos contratos, seja por iniciativa da empresa (suborno), como por iniciativa do agente público (concussão). No início era limitado aplicado apenas pela cúpula e em alguns contratos ou modalidades contratuais. Ao longo do processo foi de ampliando, se disseminando, se inchando alcançando tamanho que corria riscos crescentes de "estourar".

Países desenvolvidos perceberam os riscos e tomaram medidas para conter o processo. O foco primário foi a atuação das suas multinacionais no exterior, principalmente junto aos Governos dos países emergentes: países menos desenvolvidos, mas em processo acelerado de crescimento, precisando de obras e equipamentos que podiam ser fornecidos por aquelas multinacionais. O segundo foco foi o combate à lavagem de dinheiro, preocupados com a prática para "embranquecer" o dinheiro e viabilizar o tráfico de drogas e de armas. O problema maior da circulação do "dinheiro sujo" no mundo não é o oriundo das corrupção, mas do tráfico de armas, que alimenta o terrorismo e agora as guerras étnicas e religiosas.

Os emergentes, como o Brasil, não acreditaram nas mudanças e continuaram expandindo o processo. Uma lei anticorrupção, mal copiada de experiências externas, foi estabelecida, mas com a perspectiva de mais uma lei que "não ia pegar". Ou como se dizia anteriormente "para inglês ver": o Governo e o PT mostrarem para a sociedade que estavam combatendo a corrupção, na parte visível, enquanto nas suas entranhas o processo "corria solto".

O estouro da "bolha" vai fazer vítimas e vai destruir esforços decenais de desenvolvimento da engenharia brasileira. Vai implodir e colocar no chão toda uma competência brasileira para erguer uma infraestrutura moderna. Porque construída sobre pilares eticamente comprometidos. Por ter uma base podre. Representará um retrocesso: dois ou mais passos para trás.

O país terá que reconstruir essa competência, o que poderá levar meio século ou mais. O extermínio será parcial, Algumas sobreviverão e novas surgirão.

As necessidades de construção ou ampliação da infraestrutura seguirão. O Estado ainda será responsável por grande parte, senão a maior dela nos investimentos. Terá que adotar estratégias adequadas para a reconstrução.

O Brasil é um dos países emergentes que montou uma capacidade de engenharia para realizar grandes obras, sem depender das "empreiteiras internacionais". Uma rápida comparação pode ser feita em relação aos estádios construídos ou reformados para a Copa do Mundo da FIFA. Os estádios da África do Sul, hoje uma das participantes do bloco do BRICs, foram construídos pelas empreiteiras internacionais, com mínima participação das nacionais. Para a Copa de 2022, no Catar, as obras estão sendo tocadas pelas empreiteiras internacionais. As obras do estádios no Brasil para a Copa 2014 foram todas realizadas por empreiteiras nacionais. As empresas estrangeiras participaram subordinadas às nacionais, como subcontratadas e apenas para algumas tarefas mais complexas, como as coberturas: cujas tecnologias foram absorvidas pela engenharia brasileira.

Ao longo dos últimos cinquenta ou mais anos, a capacidade de absorção tecnológica das empresas brasileiras sempre foi elevada, promovendo a substituição de importações e barrando o ingresso das empreiteiras internacionais.

Agora com o seu enfraquecimento o mercado da engenharia no Brasil estará mais aberto à invasão das empresas estrangeiras. Algumas ingressaram precocemente, em função da crise nos seus países de origem e muitas delas já estão desistindo.

Não acreditaram no "processo" ou acharam que podiam vencer. Foram iludidos pelos elevados preços das obras que mesmo "mergulhando" nas ofertas poderiam conseguir contratos lucrativos. A experiência real é de sucessivos prejuízos.

O sobrepreço dos contratos tem duas componentes não explicitadas: a propina e as reservas para cobrir os atrasos de recebimento. A propina é um gasto certo. Os custos dos atrasos incerto, podendo ocorrer ou não:
dependendo que quanto se "engraxa" a estrutura interna. Mas está subordinado ao primeiro gasto. Os contratos só andam em dia, se houver o cumprimento dos pagamentos das propinas. Os serviços adicionais só são concedidos com o devido acerto daquela parte. Os pagamentos, com a correspondente comissão. Com elevadas taxas de juros, a realização prévia dos gastos, com o atraso de pagamentos, desequilibra o fluxo de caixa das empresas e as obriga a tomar dinheiro emprestado nos bancos a custos não aceitos na planilha oficial de custos.

As empreiteiras estrangeiras que conseguiram contratos oferecendo preços mais baixos, foram sujeitas ao processo de extorsão e elevação dos custos por atrasos, depois de contratadas. Poucas estão dispostas a continuar no mercado, com as condições vigentes.

A sociedade e os órgãos técnicos continuam sendo iludidos, no entanto, de que a licitação "pelo menor preço" é o mais adequado para o país e que a abertura para a concorrência internacional amplia a concorrência e reduz os preços.

No atual quadro mundial há duas categorias básicas de "empreiteiros internacionais": os que no seu país estão sujeitos a severas leis anticorrupção e não podem se arriscar a manchar a sua imagem, com práticas corruptivas em terceiros países. No escândalo do Petrolão, duas das principais revelações decorreram da decisões das matrizes: no caso da locação de plataformas a SBM fez um acordo, do tipo delação premiada, com o governo holandês e denunciou os funcionários da Petrobras que haviam recebido propina. A Toyo, uma grande empreiteira japonesa, determinou aos seus representantes no Brasil, aderissem à delação premiada, devolvessem o dinheiro, pagassem multas, para reduzir os prejuízos da sua imagem no mundo. A outra categoria é das empresas que no seu país de origem não há rigor anticorrupção.

A grande expansão no mundo das empreiteiras chinesas decorre do fato delas "jogarem o jogo", sem ter o controle anticorrupção do seu governo, altamente conivente com a corrupção. Mas há uma diferença substancial com outros países, inclusive o Brasil. Há conivência mas não leniência. Se o corrupto for pego é condenado à morte.

O Brasil tem um grande desafio na engenharia. Limpar a "sujeira" que tomou conta da engenharia nacional e reconstruir a engenharia no Brasil: com empresas nacionais ou estrangeiras.

O desafio mesmo é construir uma "engenharia limpa". O que só será possível com "contratantes limpos". Limpos como condição estrutural. E não limpos por "lavagem de dinheiro".


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