A dimensão que assumiu o "petrolão" não permitirá que a relação entre Estado e empreiteiras termine em pizza. Algumas das grandes empresas serão sacrificadas, devendo ser consideradas inidôneas e proibidas de celebrar novos contratos com a Administração Pública.
A partir dai podemos desenhar dois cenários: um de ampliação do leque, envolvendo outras obras públicas, outros contratantes estatais e outras empreiteiras, de tal forma que não fique "pedra sobre pedra". Nas investigações sobre Alberto Yousseff foram encontradas planilhas que poderiam ser de obras que tiveram a sua participação como intermediário. Mas podem ser apenas uma lista de clientes potenciais a serem extorquidos. De toda forma, é mais um indício que o "esquema" ocorria em todas as obras públicas no Brasil, sejam federais, como estaduais. Yousseff era seletivo e não buscava obras menores, de âmbito municipal.
Outro cenário é que os escândalos políticos ofusquem a crise das obras públicas. Vai se alterar a lei 8.666/93 como a medida saneadora, como foi saudada essa mesma lei. E só ajudou a aumentar o tamanho do "clube". A grande perdedora foi a competência técnica da engenharia brasileira.
A construção da infraestrutura é fundamentalmente de responsabilidade do Estado e esse delega a terceiros mediante concessões de serviços públicos ou contrata diretamente construtoras para a execução das obras, equipamentos e serviços. Para isso requer pessoas, equipes e empresas de engenharia capazes de executar adequadamente as obras.
Para os profissionais são oportunidades para aplicar e desenvolver as tecnologias de engenharia, aproximando-se do "estado d'arte" mundial, ou seja, com os padrões mais avançados no mundo. Durante muitos anos os engenheiros brasileiros no setor da infraestrutura, adquiriram grande competência, em alguns campos na vanguarda mundial.
Para as empresas, no entanto, o mercado das obras públicas passou a ser visto como um negócio. Aliás, um grande negócio com contratos bilionários, com elevados lucros e acumulação de capital, transformados em equipamentos.
Ao transitar de uma empresa de tecnologia para uma empresa de negócios, os tradicionais engenheiros civis, mecânicos, elétricos e outros responsáveis pela excelência ou qualidade tecnológica, passaram a ser substituídos pelos engenheiros financeiros na direção das empresas. O importante deixou de ser a execução da obra com a melhor técnica, mas executar a obra com a maior margem econômica. A tecnologia passou a ser importante para a redução de custos. Outros itens de custos precisavam ser reduzidos. De outra parte era preciso assegurar uma continuidade de receita.
Com essa transição, empresas deixaram de ser de engenharia, para se transformar em empresas comerciais que conquistavam os contratos e depois repassavam a terceiros.
Os profissionais foram induzidos a reduzir custos e não a buscar as melhores soluções técnicas. A engenharia brasileira empobreceu com a mercantilização da atividade.
A compressão dos custos era necessária para produzir um "superavit primário" isto é, margem para poder pagar as propinas, seja fruto de suborno ou de extorsão.
Ainda que temporariamente, as propinas vão diminuir. Mesmo com todos os controles e pressão social não vão acabar inteiramente. Haverá sempre os dispostos a arriscar. Seria necessário mudar as regras do jogo, para que a propina deixe de ser habitual, para se tornar uma exceção, como uma prática marginal (em todos os sentidos).
Da parte empresarial é preciso que o "clube" elimine o suborno, como uma prática aceita. O cartel, que existe e continuará existindo, embora não admitido como tal, tem que abolir o suborno como prática. Não por questões éticas, mas por se tratar de mecanismo anticompetitivo. O suborno praticado por uma empresa, fura o cartel, e estimula a extorsão.
Esta seria a parte mais factível. A outra ponta é mais difícil. Trata-se de recusar e denunciar extorsões.
Num ambiente em que campeia a propina, o servidor público ou empregado de estatal que não só recusar um suborno como denunciar o subornante corre o risco de pagar sozinho pela ousadia. Não poderá contar com os colegas, todos temerosos pelas retaliações. O menor dessas é a perda de emprego. Tentar montar um flagrante com o apoio da polícia tem o risco de vazamento e ser ele, o denunciante, acusado de falsa acusação. O ambiente não lhe é favorável e o melhor é a frase, não tão popular: "recusou a manobra, sem se mostrar agastado".
Já o extorquido ou candidato à extorsão pode montar flagrantes. Tem ocorrido muito, principalmente em casos menores envolvendo fiscais municipais. O extorsor paga com a perda do cargo e até prisão. O denunciante, em geral, paga com a sua expulsão do jogo. Se for um pequeno empresário, não consegue se manter na atividade: ele deixa de ser "confiável".
Não há possibilidades de mudanças, a partir de atos individuais. As mudanças terão que ser coletivas.
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