segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A crise da indústria brasileira e sua superação

A balança comercial brasileira foi deficitária em 2014, uma condição que não ocorria desde 2000. De um lado a indústria foi a mais deficitária e de outro as commodities agrícolas e minerais, com os preços unitários em queda, não foram suficientes para cobrir aquele déficit. 

As análises apontam para baixa produtividade, baixo grau de inovação, câmbio supervalorizado, carga tributária, insuficiência de infraestrutura e outros fatores macroeconômicos, tratando a indústria como uma entidade monolítica. Ela não é, contemplando diversidades em que cada fator influencia de forma diferenciada. 


Esse tratamento da indústria como se fosse uma unidade decorre da visão estatistica. Nos números das estatísticas oficiais do comércio exterior ou da contabilidade nacional (a que apura o PIB). a indústria é uma categoria que soma os resultados de todos os seus subsetores.


E essa indústria, como um todos,  é responsabilizada pelo déficit por não se integrar nas cadeias produtivas globais. Tais análises não entram em detalhes sobre essa não inserção, tendo sido transformado num mantra, repetido sucessivamente. O que é uma falácia. Já escrevemos reiteradas vezes aqui que a "indústria brasileira" está ampla e profundamente inserida nas cadeias produtivas globais.


Duas considerações prévias devem ser feitas, a respeito.


A primeira de que a categoria estatística indústria significa indústria instalada no Brasil e não indústria brasileira, no sentido de propriedade. Essa indústria instalada no Brasil tem uma grande participação de multinacionais, que diante das mesmas questões acima listadas, não tem necessariamente a mesma reação das indústrias sob controle de brasileiros.


A indústria dos brasileiros, efetivamente, está pouco inserida nas cadeias produtivas globais. Já a indústria das multinacionais são, no Brasil, uma etapa da sua cadeia produtiva global. Portando estão inseridas, ao contrário do que se propala.


A segunda consideração preliminar é que cadeia produtiva global é de uma empresa. Não é um fenômeno aleatório ou natural, que é captada pelos estudos. A cadeia produtiva global é uma organização do processo produtivo criada e gerida por uma multinacional.  Com o controle de todas as suas etapas. Tem dono, com nome e sobrenome. 


Temos então a cadeia produtiva da Fiat, ou da Syngenta, da Siemens e de outras tantas multinacionais. Todas elas presentes no Brasil.


Quando se compara a competitividade global não é da indústria como um todo, mas de uma unidade nacional da multinacional com outra localizada em outro país.


Ou seja não se trata de comparar a competitivdade  da indústria brasileira com a mexicana, mas da das unidades da Volkswagen o Brasil, com as instaladas pela mesma multinacional no México. Isso vale para a comparação com as unidades na Alemanha, na Bélgica, na Turquia e qualquer outro país onde a multinacional esteja instalada. 


As decisões do local de produção e o mercado a ser atendido não é nacional, mas da Direção Regional ou do próprio board central da multinacional.


Se a Volkswagen não exporta os seus carros para os EUA ou a Fiat importa carros da sua fábrica no México, não é fruto da competência ou incompetência comercial da direção dessas unidades regionais, mas porque a direção superior do grupo empresarial assim decidiu, comparando as condições competitivas de cada uma das suas unidades e a lucratividade de cada operação.


O prof. Antonio Delfim Neto, em entrevista á Folha de São Paulo (publicada em 2 de novembro de 2014) diz que "das 500 maiores multinacionais 400 estão no Brasil. Você precisa de um diálogo com essa gente. Precisa saber o seguinte: o que você precisa para voltar a exportar do Brasil? Mas não pode fazer isso reduzindo o lucro delas" .


As cadeias globais podem ser vistas segundo duas perspectivas: o da produção ou do suprimento. Visto do lado da produção, a indústria no Brasil está inserida, abriga as unidades produtivas das multinacionais para suprir o mercado nacional e de paises vizinhos.  Significa que está na ponta final da cadeia produtiva. 


Vista do lado do suprimento, a unidade produtiva compra muitas partes e insumos da mesma cadeia produtiva, mas produzidos no exterior. 


A indústria no Brasil está inserida na cadeia produtiva, mas não na cadeia de suprimento. Significa que é importadora, mas não exportadora. O resultado é o déficit comercial.


Entre as questões que influem nas condições de competitividade duas são relevantes: a inovação e a produtividade.


Diz-se que a indústria brasileira não é competitiva porque inova pouco. Porque aplica poucos recursos em pesquisa & desenvolvimento. O que é outra falácia.


As multinacionais instaladas no Brasil investem em pesquisa & desenvolvimento, inovam, mas essas ficam dentro do grupo. Os resultados do esforço inovativo não é disseminado, não é democratizado, não é socializado, não é nacionalizado. É apropriado individualmente, privadamente. 


E a inovação pode ser aplicada na unidade brasileira, como nas demais unidades do próprio grupo. A inovação pode ser globalizada, mas nos limites do grupo empresarial que alcançou a inovação. 


Cada vez mais inovação não é um produto nacional, mas empresarial. 


E se uma inovação aplicada pela unidade no México não é aplicada no Brasil, não é porque aqui não se investiu em P&D para chegar aos mesmos resultados, ou a resultados melhores: é porque a direção mundial resolveu não aplicar. Vale o inverso: uma inovação na unidade brasileira não lhe dá vantagem em relação à mexicana, ou outra qualquer. Porque se for boa a direção mundial a leva para as demais unidades. 


Ou seja, dentro das cadeias globais inovação não dá vantagem de uma unidade regional sobre outra do mesmo grupo. A vantagem seria em relação aos concorrentes que, mesmo instaladas no mesmo país, onde foi desenvolvida a inovação não tem acesso a ela.


Portanto é uma falácia afirmar que a indústria brasileira não inova porque não investe em pesquisa & desenvolvimento. Pode valer para as indústrias de propriedade de brasileiros, mas não para as multinacionais. Pode valer para pequenas inovações, pontuais, mas não para as significativas inovações que afetam profundamente a competitividade.


A introdução de inovações na produção da multinacional no Brasil não decorre da P&D, mas da decisão da direção mundial em introduzir a inovação na sua produção no Brasil. 


A produtividade do trabalho na unidade brasileira é inferior ao de outras unidades em outros paises. É um fato real e verficável. Mas os diagnósticos nem sempre são corretos.


A principal causa apontada é a qualificação do trabalhador brasileiro, com menor grau de educação. É também um fato real, mas não é a causa principal da baixa produtividade.


A causa principal está na pequena escala de produção da unidade fabril brasileira. 


Quando a direção mundial da multinacional decide implantar no Brasil uma unidade produtiva para atender apenas ao mercado nacional e vizinhança, dimensiona a sua capacidade de produção para o tamanho e perspectivas desse mercado e em função desse tamanho, define o grau tecnológico. 


Quanto menor a escala, menor o grau tecnológico, maior o uso de mão-de-obra de menor qualificação, baixando o nível de produtividade. Ao contrário, quando maior a escala, maior o grau tecnológico, maior a produtividade da mão-de-obra e o requerimento de pessoal mais qualificado. 


A qualificação da mão-de-obra não vem antes da demanda. Ela é puxada pela demanda.


Havendo a demanda há o interesse das pessoas se qualificarem, pois representa, no mínimo, melhor remuneração.


Uma das restrições, no entanto, é a falta de base educacional formal, para esse avanço de qualificação. Ou seja, a carência da educação de base. 


A qualificação da mão-de-obra é uma questão de treinamento e as próprias empresas investem nesse treinamento para ter o pessoal qualificado. O que pode inibir essas inciativas é a visão de que o investimento em treinamento será ineficaz porque os candidatos não tem base.


Na prática há uma diversidade de situações: as multinacionais atraem os trabalhadores com maior base e os qualificam. As demais ficam com os de menor formação, ou ficam na espera de que o setor público ou o mercado os formem.


O resultado estatístico final é - efetivamente - uma produtividade menor: mas com grande desigualdade.


Se a direção mundial da multinacional decide instalar uma unidade produtiva no Brasil, para não perder este importante mercado, define uma escala xx, já prevendo complementar o atendimento do mercado nacional com importações.


Se essa unidade for planejada para suprir o mercado global, terá uma escala, digamos de 5 xs, ou seja, cinco vezes maior , o que permitirá, por outro lado, incorporar maior tecnologia. Consequentemente, maior produtividade. 


Em síntese: o principal fator que influi na produtividade é a escala de produção. É a escala de produção que define o grau de tecnologia a ser instalada.


E a escala depende da destinação planejada da produção.


A instalação de uma grande fábrica da Fiat em Goiana, Pernambuco é emblemática nesse sentido. 


Dentro da sua estratégia mundial a direção definiu a instalação de uma unidade de suprimento mundial: que atendesse à perspectiva de crescimento do mercado brasileiro, mas também do mundial.


Para atender à expansão do mercado brasileiro poderia se limitar à expansão da sua unidade em Betim, Minas Gerais. Mas para uma unidade mundial o espaço disponível era insuficiente.


O Governo de Pernambuco ofereceu vantagens tributárias e físicas para a instalação da nova unidade da Fiat em Pernambuco, dentro do complexo portuário-industrial de Suape.


Mas para uma unidade de suprimento mundial a Fiat não encontrou uma área ampla e foi se instalar em Goiana, na divisa com a Paraiba, cerca de 70 km. distante do Recife.


Mas nem Lula, tampouco Eduardo Campos, os mentores da instalação disseram que se tratava de uma plataforma de exportação. 


Para a Fiat uma aposta de alto risco, pois se baseia na expectativa de que o Governo mude a sua política industrial, voltando-se tambem para fora. 










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