sábado, 24 de janeiro de 2015

A doutrina de suprir a água por encanamento

A crise da água é, na realidade, a crise do sistema de abastecimento da água por rede.

Durante muitos anos a população se abasteceu de água por poços individuais. Ou iam buscar a água no chafariz do largo. No interior, principalmente em áreas rurais, as famílias ainda se abastecem da água dos poços, ou quando tem facilidade, dos próprios rios e demais cursos d'água.

Esses meios são considerados primários e atrasados. A modernidade é caracterizada pelas redes de água, a partir de uma captação num corpo d'água, ampliada por reservação, adução, ou seja, transporte até uma estação de tratamento para um novo transporte até uma caixa d'água para ser distribuída por ampla rede até os domicílios. Com o apoio de bombas elevatória, uso da gravidade, geração e controle das pressões.
Com isso as famílias tem a água na sua torneira, sem necessidade de ir buscá-la. A água chega em sua casa. É só abrir o registro, que saía a água.
É essa água suprida por uma concessionária dos serviços de água que está em risco de faltar. Como decorrência da falta de chuvas e insuficientes investimentos em reservação. O principal foco das críticas aos Governos é a falta de investimentos em reservação, complementada pelos demais investimentos na segurança e expansão da rede de distribuição.

Se as chuvas fossem abundantes as represas existentes estariam cheias e atenderiam a toda demanda. Com pouca chuva há necessidade de mais represas para armazenar a água da chuva. São esses investimentos adicionais que a população, os políticos opositores e a mídia reclamam e criticam a sua falta.

Organizado como negócio, o objetivo da empresa concessionária dos serviços de água e esgotos é maximizar o fornecimento. A seu sucesso é determinado pela expansão sucessiva de usuários, pelo aumento do consumo e pelos lucros. 

Tendo lucros vai ao mercado captar recursos, sob forma de ações e, captado, torna-se refém dos acionistas. Precisa apresentar resultados positivos todos os trimestres. Se for uma empresa privada, com dois trimestres sucessivos de resultados negativos, os acionistas trocam os dirigentes. As grandes concessionárias estaduais como a SABESP, de São Paulo e COPASA de Minas Gerais, lançaram ações e debêntures no mercado e priorizam os investimentos com resultados a curto prazo. Os de longo prazo foram preteridos.

Os investimentos em reservação de grande porte, que levam de 4 a 5 anos para serem concluidos e sem garantia de uso e geração de receita foram sucessivamente postergados. 

Não interessa à concessionária atender áreas periféricas com baixa densidade de moradores, onde o custo de instalação é elevado e sem possibilidade de retorno econômico. Essas áreas são atendidas em função de subsídios públicos.

Dentro dessa concepção não interessa à concessionária a reutilização sucessiva da sua água depois do ingresso na residência ou fábrica, tampouco a reservação domiciliar da água da chuva. Ela ganha pela água que entra no domicílio ou estabelecimento, passando e sendo medido pelo hidrômetro. 

Em São Paulo, a SABESP - empresa estadual, concessionária dos serviços de água e esgotos na maioria dos municípios do Estado, é mais importante e tem maior poder do que a Secretaria de Recursos Hídricos que, em tese, seria a responsável pela gestão das águas no Estado.

Essa configuração institucional e cultural, diante de uma estiagem nunca antes ocorrida nos últimos 100 anos, gerou essa situação de esvaziamento das represas da SABESP e o risco da falta de água nas torneiras das casas.

Apesar da extensa estiagem que, a esta altura já dura 3 anos, com agravamento a cada ano, não falta água na Região Metropolitana de São Paulo. A população é induzida a acreditar que toda água vem do Cantareira e se esse secar a cidade vai ficar sem água. É uma impressão falsa.


Se o Cantareira secar de vez uma parte da cidade, efetivamente vai ter problemas maiores no suprimento da água. Em algumas áreas vai, efetivamente, faltar água.

A maior parte da cidade vai continuar com água e isso vai gerar uma movimentação de pessoas. Muita gente vai ter que ir tomar banho na casa de familiares ou de amigos. 

A cultura implantada e já consolidada de que o suprimento de água nas cidades deve ser feito pelo sistema de rede torna a população e a economia inteiramente dependente das águas da chuva que caiam ou alimentem as represas. 

Para que não falte água nos domicílios e estabelecimentos comerciais, de serviços e industriais é preciso melhorar a produtividade da água disponíveis, pela sucessiva reutilização. Um litro de água original deve ser utilizada e sucessivamente reciclada para a sua reutilização. 

A cultura da reutilização é ainda incipiente, com alguns casos de reuso em condomínios e estabelecimentos econômicos. A SABESP só incentiva o reuso da água que passa por ela, ou seja, pode ser cobrada.

A reciclagem também pode ser promovida pela concessionária que é também a responsável pela coleta e tratamento de esgotos.

A água utilizada vai para a estação de tratamento de esgotos ou diretamente para os corpos d'água. No caso de São Paulo há dois grandes coletores da água usada: o rio Tietê e o sistema Billings-Guarapiranga.


A água da chuva, supostamente limpa, também cai sobre a Billings ou nas encostas que levam a água para a represa. O grande volume de água dilui a poluição e a torna limpa e até potável. Quando a carga das água poluidas é muito grande, ou o volume das chuvas pequeno, a represa toda fica poluida. A represa Billings era um local de recreio para se nadar, para velejar, nos anos cinquenta. Hoje se tornou uma represa interditada para essas práticas. 

Muito da água que não cai sobre o Cantareira, cai sobre a Billings, mas essa não é - ou não poderia ser - aproveitada para o abastecimento. Depois de muita resistência o Governo parece ter acedido em utilizar as água da Billings para reforçar o abastecimento da rede. Envolve obras de transposição e de maior tratamento. 

Nesse caso pode-se dizer que, efetivamente, a questão não é da falta de água, mas de investimentos.

Diante da falta de água da rua (como a população caracteriza a água abastecida por rede) uma solução que muitos usam ou querem é a contratação do caminhão pipa. Mas o caminhão pipa não gera água: ele é apenas um meio alternativo ao suprimento da água. Se ele traz a água ele foi buscá-la em algum local onde existe. Onde é isso? Em muitos casos um braço da Billings: onde a água não é tão poluida. 

O caminhão pipa é um caso concreto que demonstra que não falta água, no geral. Falta a água da SABESP, falta a água da rua, falta a água cujo suprimento continuado deveria ser responsabilidade do Governo. 

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