quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Quem cuida da água?

No seu discurso de abertura do segundo mandato, que deveria ser de trabalho e não mais eleitoral, como podia e foi o da posse,  Dilma não saiu do palanque. Tratou da crise da água de forma política, dizendo que apesar de não ser responsabilidade federal, iria ajudar os Governos Estaduais, responsáveis pelo abastecimento a vencer a crise. Cometeu vários erros, usuais na mídia, mas não compatíveis com uma governante. Demostrou ignorância. Leu um discurso escrito por João Santana e não pelos "goshwriters" para os pronunciamentos gerenciais.

A gestão da água tem um espaço vazio que foi assumido pelo Governo Federal, ao criar a ANA. O controle sobre o uso da água dos corpos naturais, depende da jurisdição do rio. Existem rios estaduais e federais. Não existem rios municipais.

Há problemas de escassez em duas das maiores bacias hidrográficas federais do sudeste: a do Piracicaba, que começa em Minas Gerais e tem a maior parte em São Paulo e do Paraiba do Sul, que começa em São Paulo, segue pelo Rio, passa por Minas Gerais, volta ao Rio e desemboca no mar, quase no Espirito Santo.

Para usar a água, quando ela está em nível normal, é preciso a autorização e licença do órgão estadual ou federal. Mas quando a água escasseia, quem gerencia a escassez?

O Governo Federal ocupou o espaço vazio, mas agora que a escassez está sendo muito mais grave que o previsto, quer tirar o "corpo fora". Comandado pela Presidente, que só consegue enxergar os efeitos político-eleitoral do problema.

O planejamento de longo prazo do uso das águas no território nacional deveria ser do Governo Federal. Este até iniciou o processo, contratou alguns inventários e estudo, mas teve descontinuidades, não cuidou devidamente da ANA, e tampouco elaborou planos de contingência para enfrentar a crise. A ANA, como outras agências foi aparelhada e vista como local para empregos bem remunerados e estáveis. Não um órgão para regular e gerir um bem essencial.

Para garantir o uso da água para geração de energia, produção agrícola e abastecimento animal e humano é preciso fazer a reservação, com dois objetivos: formar estoque para enfrentar os períodos de estiagem e regularizar as vazões para evitar enchentes, com graves prejuízos  patrimoniais e humanos. 

Para efeito de reservação, caberia ainda estudar, planejar e executar obras de transposição de bacias. O que torna as decisões mais complexas e difíceis, pois envolve a gestão do balanço hídrico entre bacias.

Até meados dos anos setenta essa visão "obreira" era hegemônica e sem contestações. A partir dai o movimento ambientalista passou a contestar o modelo e o Governo Federal "empacou" sem conseguir resolver os impasses, consolidar um modelo para o longo prazo, adotando soluções de curto prazo. 

Com as demoras ou atrasos na execução da obras, o Brasil ficou despreparado para enfrentar a estiagem prolongada, que só se repete a cada século, mas dentro desse, nos anos atuais.

Era provável a sua ocorrência, mas os Governos e a sociedade preferiram desprezar, para não arcar com os custos adicionais para atender a uma ocorrência secular. Agora os custos serão maiores. 

Para o setor elétrico, os Governos buscaram soluções mais amplas em termos espaciais e temporais. Acabaram sendo prejudicadas por disputas políticas, com uma primeira restruturação e depois uma nova restruturação, resultando no confuso modelo atual. Mas um ponto não foi modificado. Foi até consolidado e tem evitado males maiores: a criação e gestão nacional do sistema elétrico nacional, através do Operador Nacional do Sistema - ONS. Tem sido um gestor da escassez da geração de energia, porém, com opções entre as fontes hídrica, termo e alternativas.

Com relação à água, foi criada a ANA, prevista a gestão por bacias hidrográficas, porém não há um Operador Nacional das Águas. Não há quem vá gerir a escassez e buscar soluções de compensação através das áreas com abundância de água. A gestão nacional (que não pode ser confundida com federal) requer ainda o uso e reuso da água.

Constitucionalmente a titularidade e consequente responsabilidade pelos serviços públicos de abastecimento de água potável e coleta e tratamento de esgotos é do Município. Não é do Estado membro, como disse equivocadamente a Presidente. A atribuição é municipal e não estadual. O Município é responsável pelo abastecimento mas não tem água própria. Depende de uma "água estadual ou federal". 

O que existe de fato é uma distorção, com os Estados assumindo a operação desses serviços mediante concessões impostas aos Municípios pelo poder financeiro, promovido pelo Governo Federal. 

A SABESP é uma concessionária de serviços municipais. O poder de estabelecer as tarifas e taxas dos serviços é do Município. Não é nem do Estado que vem tentando se apropriar também desse poder através da uma Agência Reguladora Estadual. Mas que também deve agir como delegada dos Municípios. Não deveria ser assim, mas é.

Quem tem o poder de estabelecer o rodízio, cortes seletivos, autorizar redução de pressão na tubulação que resulte em desabastecimento é o Município, não o Estado e muito menos a SABESP. Quem tem o poder de estabelecer tarifas diferenciadas, criar sobretaxas e autorizar bônus é o Município. 

O Estado resiste em reconhecer esse poder municipal. A SABESP, COPASA, CEDAE e outras muito menos. Acham-se o "dono do pedaço".

Diante da crise não cabem manter as disputas, falsas generosidades - do tipo, não tenho nada a ver com isso, mas estou disposto a ajudar - e buscar soluções coletivas e solidárias.

Do ponto de vista da população, do consumidor a necessidade principal está na racionalização do uso, com maior reuso e eliminação dos desperdícios. E uso seletivo da água, segundo a sua qualidade. 

O Governo Federal cabe informar e utilizar os dados de que já dispõe, para dizer onde tem água em abundância e como essa poderia ajudar a minorar a escassez em áreas de maior consumo.

Com os Governos Estaduais caberá estabelecer planos de longo prazo para planejar as transposições necessárias e organizar um Operador Nacional das Águas. Não é um questão técnica, mas estabelecer um pacto entre as diversas visões, forças e interesses. 


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