segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Mudança na barganha

A Volkswagen voltou atrás, nas demissões, sem nada ter conseguido de benefício do Governo, como das outras vezes. É o que diz o noticiário na mídia, a partir de informações dos sindicatos.
Não é o que parece. Para manter os empregos ela se dispõe a produzir novos carros, a partir de um novo chassis (que tem sido caracterizado como plataforma. A diferença é que essa unidade será mesmo uma plataforma de exportação. Ou seja, não será para o mercado interno e Mercosul, mas para o mundo. Ou melhor, para as outras unidades mundiais da própria Volkswagen.
Isso significa uma mudança de 180º graus na política industrial brasileira. Significa aceitar, com estímulos governamentais, plataforma de exportação, um estigma para os nacionais-desenvolvimentistas.
A Volkswagen recuou e vai seguir agora as negociações com o Governo. Para melhorar as condições de viabilização do seu empreendimento e para as exportações. Esse vai confirmar?

O Governo não precisa esperar pelo novo carro mundial da VW a ser produzido no Brasil. Pode negociar as condições para a exportação do excedente que está nos páteos da empresa.

Onde estão os problemas?

O mais importante era o câmbio defasado. Agora está menos. Ainda um pouco defasado segundo as avaliações internacionais. Não basta o ajuste. A empresa quer segurança: segurança de que por qualquer "dor de barriga" o Governo não iria mudar a orientação e intervir no câmbio. Um dos principais problemas do primeiro mandato de Dilma era que ela e Mântega não inspiravam confiança em relação à permanência ou continuidade das políticas. Com a nova equipe econômica há maior segurança. A Volkswagen como as demais podem acertar contratos com a sua matriz e outras subsidiárias em todo o mundo um suprimento ao longo de 12, 20 ou mais meses, com um câmbio flutuante, mas segundo as circunstâncias do mercado internacional e não por intervenções governamentais, sempre desastradas.

O tratamento tributário é outra questão, para evitar bi ou multi-tributação, além da exportação - ainda que embutida - de tributos, quando a regra universal é que não se exportam tributos.

Há ainda os problemas burocráticos. O Governo quer que as empresas exportem, mas não facilitam os procedimentos e a documentação. Muitas exigências são descabidas, algumas com fundamentos ideológicos. A esquerda é contra a exportação por empresas multinacionais. Ainda mais quando a exportação é feita para outra unidade da mesma empresa.

A desconfiança inicial é de que a exportação está sendo subfaturada, para transferir os lucros para a matriz, sem o devido pagamentos dos tributos nacionais. E as exigências que a empresa tem que cumprir para demonstrar que não existe subfaturamento, dificultam e atrasam as exportações. Há casos, de outras multinacionais que desistiram de exportar e reduziram a sua produção no Brasil, com demissões de trabalhadores.

Uma questão é a competitividade comparativa internacionalmente. Existem duas dimensões: a interna e a externa. 

Na dimensão interna se dirá que a fábrica brasileira da multinacional é menos competitiva que a sua similar em outro país porque tem menor produtividade, é menos moderna, tem menos inovação e o custo da mão-de-obra é mais alto. Se a unidade brasileira é menos produtiva a responsabilidade é do próprio grupo empresarial que não a dotou das modernas tecnologias e equipamentos e não capacitou adequadamente a mão-de-obra. Para os cargos chaves não trouxe os melhores ou os bons, a partir de qualquer país. Quanto ao custo da mão-de-obra se coloca muito a culpa nos encargos sociais, mas o que interessa é o custo total. Como os salários base são menores, os custos finais do trabalhador são mais baixos do que de muitas das outras fábricas da própria Volkswagen no mundo. Quando se considera a cadeia produtiva as comparações não podem ser por médias nacionais, mas por médias das próprias empresas que gerem as cadeias produtivas. 

Reiteramos aqui: as cadeias produtivas tem nome e sobrenome. Não são genéricas. Qualquer comparação de competitividade não pode ser feita segundo os países onde estão estabelecidas, mas entre unidades do próprio grupo empresarial.

As comparações nacionais podem ser feitas com relação às políticas econômicas, os procedimentos burocráticos, já citados e a infraestrutura logística. Reclama-se muito das más condições da rede rodoviária brasileira que elevaria os custos. Mas as fábricas das montadoras automobilísticas, em geral, estão dentro da parte boa da malha, com rodovias de classe mundial. Não se perde competitividade por conta desse quesito a menos na questão comercial: os transportadores rodoviários cobram muito caro. Mas é dos outros.
O gargalo real está nos portos que ainda são ineficientes e trabalham com custos elevados.

Se o Governo, realmente acha, que a solução para a crise da indústria automobilística brasileira é aumentar a exportação, precisa resolver a questão dos portos, do ponto de vista físico e burocrático.

Mas antes de tudo entender que não existe indústria automobilística brasileira, mas uma indústria automobilística mundial instalada no Brasil. Não se trata de um mero jogo de palavras, entre brasileiro e no Brasil, mas uma diferença essencial de tratamento e de resultados.

PS - Essa discussão é tradicional dentro da esquerda brasileira. Dai a cisão do Partido Comunista Brasileiro (o antigo partidão) e a criação do Partido Comunista do Brasil.

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