Uma cidade não é apenas um conjunto físico que os arquitetos tentam ordenar regulando o seu uso e ocupação.
O que constitui e faz a cidade é a sua população que mora ou a frequenta que não é monolítica, mas é segmentada com grandes diferenças entre elas em termos de renda, de comportamento e de aspirações.
Portanto, não existe a cidade que queremos como um consenso global de todos os segmentos, porém a cidade desejada por cada um dos segmentos, com diferenças que podem chegar a visões individuais diferenciadas.
Dentro dessa perspectiva a história da cidade mostra como os diversos segmentos ocuparam as áreas de cidade e se locomoveram entre os locais de moradia e outras funções urbanas, principalmente o trabalho e o lazer .
Com a chegada da família real começou a ocupação da área em torno da Praça XV, com a área prevista para o Porto Maravilha, era a periferia do então centro.
Com o aterro, instalou-se o Porto do Rio de Janeiro, dando margem à ocupação pelos trabalhadores da cadeia produtiva do Porto, incluindo a operação dos armazéns, dos moinhos etc. Nesse sentido os trabalhadores moravam perto do trabalho.
Um segundo vetor determinador da ocupação de parte da sua população foi a linha férrea suburbana, promovendo a moradia no seu entorno e trabalho no centro, seja nas proximidades como mais distantes, mediante o deslocamento por ônibus. Um primeiro movimento da industrialização ocorreu ao longo da lhinha férrea, com os seus operários morando perto e ouvindo o apito da fábrica.
Um terceiro vetor foi a industrialização, ocorrida ao longo da ligação Rio-SaoPaulo, essa com os trabalhadores ainda morando nos primeiros redutos industriais e se deslocando por via rodoviária, seja de ônibus, como de carro.
Mas o principal vetor de formação e localização do carioca foi o desenvolvimento da Administração Federal, com a localização dos ministérios e principais empresas estatais na área central. A expansão de uma classe média, mais alta de servidores públicos, levou à ocupação de Copacabana. Os servidores de remuneração mais baixa, ocupantes do cargo de porteiro-continuo e serviços braçais ampliaram a Zona Norte.
Com raras exceções, o Serviço Público gerou, nessa época, milionários. Além de poucos legais, mediante artifícios jurídicos, estavam os apropriadores de rendas públicas não contabilizadas e os empresários do setor do comércio e da construção.
A riqueza foi se instalar na orla de Ipanema e Leblon, promovendo a ocupação pela classe média na parte interna, até os limites dos morros.
Com a instalação residencial da riqueza na Zona Sul, a necessidade de trabalhadores para as obras e depois para os serviços domésticos, deu margem à ocupação dos morros, com a formação e expansão das favelas.
Estudei no Rio de Janeiro entre 1956 e 1959, estudando na Praia do Botafogo na FGV e morando, primeiro em Laranjeiras e depois no Flamengo, com acesso a pé para a escola. Distâncias maiores eram ainda de bonde.
Nessa época, Copacabana já estava tomada na orla, com o paredão de sues aparamentos grudados um ao outro. Ipanema e Leblon eram os redutos da riqueza, concorrendo com a ocupação da Gávea e Santa Tereza, onde alguns "magnatas" da época estabeleceram a sua residência.
Em 1956 o professor de economia vaticinava que a indústria automobilística que o Governo estava promovendo não ia dar certo, por falta de escala.
Os professores mais abonados tinham um Citroen preto. Os demais, como os alunos usavam o transporte coletivo. A cidade era maravilhosa.
Com as primeiras produções da indústria automobilística brasileira, os fusquinhas tomaram conta das ruas e iniciou-se uma grande mudança na ocupação da cidae. Os carros tomaram conta das ruas e avenidas e pressionaram os Governos a programar e executar obras de alargamento, túneis e viadutos para a melhoria dos fluxos.
A cidade se expandiu em várias direções, sendo a mais notável a ocupação da Barra da Tijuca, até os anos sessenta um espaço inteiramente vazio, fraquentado apenas aos fins de semana, aproveitando a via que havia sido construída até a ponta do Recreio dos Bandeirantes. A riqueza chegava até o Itanhangá para jogar golf.
As primeiras tentativas de ocupar a Barra de Tijuca, com os planos de Lúcio Costa fracassaram. Durante muito tempo foi um "mico imobiliário".
Aparentemente, um dos fatores que impulsionaram a sua ocupação e crescimento foram as obras do Metrô, na Zona Sul, com imensas desapropriações e quase vinte anos de obras, promovendo a migração da classe média sem mais espaços em Copacabana, com a sua ocupação reduzida, para os amplos espaços da Barra da Tijuca.
Os deslocamentos por automóvel, de grande parte, senão a maioria dos moradores para o centro tradicional onde continuavam funcionando as principais empresas e órgãos federais que não migraram para Brasilia, era viável, com um estrangulamento no Joá, levando à duplicação do viaduto de transposição.
Depois da fase de crise econômica, com um grande esvaziamento da cidade pela transferência da Capital para Brasília, a recuperação promoveu a transformação da Barra da Tijuca numa outra cidade, mal conectada com a cidade original.
As dificuldades de locomoção dos trabalhadores de menor renda, moradores da Zona Norte, para a nova área deu margem á criação de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, escondida territorialmente, assim como da mídia, onde se estabeleceram a mão-de-obra das construções, tanto os empregados como os ex-empregados e os trabalhadores domésticos da residências da região.
Este pequeno histórico, baseado mais em percepções e vivências pessoais de um paulista, acidentalmente no Rio de Janeiro em diversos momentos nestes últimos 60 anos, é apenas uma base para tentar gerar algumas projeções sobre a ocupação da cidade, nos próximos 25 anos.
Muitos servidores públicos foram para Brasília, no anos 60 e agora parte voltou como aposentado, com uma boa renda.
O vetor leste do Rio de Janeiro é Niterói e sua extensão para São Gonçalo e outros Municípios vizinhos.
A grande questão é se o Rio, nos próximos anos, continuará se expandido pela ocupação de novas áreas, ou se refluirá para uma ocupação mais densa das áreas atuais, dentro do modelo da cidade compacta e polinucleada.
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