sábado, 4 de abril de 2015

Os fundamentos da crise entre o Executivo e o Legislativo

A crise atual entre os poderes Executivo e Legislativo decorre da ruptura do modelo de domínio do Executivo, relegando o Legislativo a um papel subalterno de homologador das políticas e ações conduzidas pelo Executivo.

Esse modelo foi consolidado ao longo do regime militar, embora tivesse antecedentes. Neste regime o Executivo comandado por militares, auxiliado por tecnocratas, conduzia autoritariamente todas as políticas e ações públicas. Mas para dar uma capa de democracia, e não de ditadura plena mantinha aberto o Congresso, após um breve período de suspensão, porém apenas para homologar as suas intenções governamentais.

Em troca dessa encenação a maioria dos parlamentares era agraciada com pequenas benesses, como as verbas de emendas parlamentares e a indicação de apadrinhados para os cargos federais, de âmbitos locais ou regionais nos seus respectivos Estados ou redutos eleitorais. 
O regime deixava uma margem para uma oposição, agrupada em torno do MDB, para completar a imagem de governos democráticos e republicanos. Permitiam-se os discursos de oposição, dentro de certos limites, mas as decisões legislativas efetivas obedeciam ao comando do Executivo, sob comando militar.

O papel de legislador do Congresso foi minimizado, com a manutenção de espaços menores para as proposições dos parlamentares, como determinadas regulações que eram aprovadas e transformadas em lei, mas não eram efetivamente aplicadas, ou denominações de rodovias ou outros patrimônios públicos, até então não nominados.

Toda a legislação significativa era preparada pelo Executivo e submetida para homologação do Legislativo. Seja na forma de projetos de lei ou, posteriormente, de Medidas Provisórias.

Ao findar o regime militar e restabelecimento da democracia com a chamada "Nova República", o sistema político buscou a manutenção do modelo anterior, criando o chamado "presidencialismo de coalizão", com um núcleo central formado pelo partido majoritário e a cooptação dos demais partidos, formando a "base aliada". Os contrários formavam a oposição, sempre minoritária.

A sustentação da base aliada seguia os mesmos preceitos anteriores de verbas de emendas e distribuição de cargos federais, de âmbito local ou regional, acrescida de um espaço adicional, de maior visibilidade: a ocupação de cargos ministeriais e de confiança (sejam em assessorias, como em direção de órgãos subordinados) abertos com a retirada dos militares e dos seus tecnocratas. Os loteamentos que ocorriam nas pontas, sem grande cobertura pela mídia nacional, chegou ao centro do poder e se tornou mais visível.

O Executivo continuou comandando o Governo e a pauta legislativa. Encaminhava os projetos de lei ou baixava as Medidas Provisórias, também as encaminhando ao Congresso para a sua homologação. 

Ao Legislativo não era dado o direito de se rebelar. 

Para assegurar o encaminhamento da sua pauta, o Executivo interferia nas eleições das Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. 

Com exceção do breve interregno do Governo Collor, o poder foi dominado pelo PMDB e sua dissidência, o PSDB. 

A efetiva alternância de poder ocorreu com a eleição de Lula pelo PT, juntamente com uma forte bancada partidária, porém nunca formando uma maioria autônoma. O PT, na Câmara formou a maior bancada, mas no Senado sempre ficou atrás do PMDB. Para alcançar a maioria, necessária para manter o comando da pauta legislativa o Governo, promoveu a transformação do "presidencialismo de coalizão" em "presidencialismo de cooptação", diminuindo ainda mais o papel legislativo do Congresso. Ampliou e consolidou as práticas fisiológicas, mas nunca de forma linear. 

Com isso foi ampliando a imagem e a cultura de que a conquista de uma cadeia no Legislativo não era mais o da conquista de uma participação na formulação de leis, para efetivar as suas visões do que "seria bom para o Brasil", mas para alcançar o que seria "bom para ele e os seus". 


O PT, com Lula em dois mandatos e Dilma, no seu primeiro mandato, consolidaram o modelo de um Executivo que legisla e governa e um Legislativo que só homologa as medidas desejadas pelo Executivo. Se toma alguma iniciativa, só dá sequência com a anuência do Executivo. 

Dilma reeleita, tentou ampliar esse modelo de predominância do Executivo sobre o Legislativo e sob a ameaça de uma rebeldia - capitaneada por Eduardo Cunha -, com a perda de domínio absoluto sobre a agenda legislativa, desenvolveu uma estratégia que fracassou, provocando uma reação com resultados contrários ao desejado: o Legislativo se rebelou e assumiu o comando da pauta legislativa.

A crise atual decorre dessa mudança de situação, com a "virada" do Legislativo sobre o Executivo.

O Governo e boa parte da sociedade analisam as movimentações de Eduardo Cunha, segundo os paradigmas anteriores, tentando adivinhar os Ministérios e cargos que ele pleiteia.

Começa a ficar mais perceptível o que ele realmente quer. Os indícios são de que ele não quer apenas cargos no Executivo. Ele quer poder. E já conseguiu: domina a pauta do Congresso e tornou o Executivo refém.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lula, meio livre

Lula está jurídica e politicamente livre, mas não como ele e o PT desejam. Ele não está condenado, mas tampouco inocentado. Ele não está jul...