Com a Operação Lava-Jato espera-se "passar o Brasil a limpo" penalizando duramente todos os corruptos envolvidos no petrolão e outros esquemas de corrupção relacionados a grandes fornecimentos ao Estado, principalmente as grandes empreiteiras de obras públicas.
A corrupção é um processo (ou fenômeno) necessariamente bilateral envolvendo corruptores e corrompidos, quando vistos de um lado e de extorsores e extorquidos, vistos por outro lado. Todos os envolvidos sejam as pessoas iniciadoras ou ativas, como as passivas, quando efetivam o ato incidem em crime. Mesmo quando alegam terem sido vítimas. Toda corrupção é consentida. Mesmo quando realizada para salvar patrimônio. Esse comprometimento bilateral faz com que os envolvidos, mesmo que vítimas iniciais, ao aceitarem o ato, não o denunciem. Porque se trata de uma auto-incriminação. Dai a delação premiada que permite a redução das penas, nunca um perdão completo da prática do ato criminoso.
A reiteração e a amplitude da prática desenvolvem uma cultura que faz com que pessoas se envolvam em processos corruptos, mesmo sob o risco de serem pegas e penalizadas.
As constatações do processo de corrupção dentro da Petrobras mostram bem esse processo de amplificação. Como grande compradora a Petrobras não esteve e não está infensa a ocorrência de atos de corrupção, praticada por algum ou alguns funcionários, no âmbito das suas atribuições.
Pedro Barusco, em sua delação premiada, confessou ter sido sempre ou durante muitos anos da sua carreira gerencial dentro da empresa um corrupto. Talvez por conta desse antecedente foi guindado a um cargo estratégico de um esquema sistematizado ou sistêmico que foi instalado dentro da Petrobras.
O que seria um ambiente regular, com pequenos focos de corrupção, praticados por um ou outro funcionário, sem ser pego e punido, passou a ser regra, em algumas das principais diretorias da empresa, passando a corrupção a ser a regra de funcionamento.
Apoiada ou gerada por grupos políticos passou a envolver políticos, altos dirigentes da empresa e as principais construtoras brasileiras, pejorativamente caracterizadas como "empreiteiras".
Aparentemente o processo foi iniciado fora da empresa, quando José Janene e outros vislumbraram a Petrobras como alternativa para dar continuidade ao esquema do "mensalão" já sob repressão, após a denúncia de Roberto Jefferson e com os fluxos financeiros interrompidos.
A oportunidade foi percebida pelo significativo aumento de investimentos da Petrobras, tendo como meta a autossuficiência brasileira de petróleo. A exigência de conteúdo nacional, segundo uma perspectiva ideológica, dava cobertura à preferência de fornecedores nacionais, com os quais seria mais viável a montagem do esquema.
O esquema teve um grande esforço com a descoberta das reservas do pré-sal e o aumento de investimentos para a sua exploração.
A partir dessas circunstâncias favoráveis ao "esquema" foram indicados diretores com a atribuição de extrair dos fornecedores os recursos para manter a fidelidade de parlamentares dentro da base aliada e gerar recursos para as campanhas eleitorais, tanto dos partidos como dos mentores. Os diretores exigiram uma participação pessoal para gerenciar o esquema.
Dessa forma o esquema financeiro estabeleceu um sobrepreço geral da ordem de 3% em todos os grandes contratos, dos quais 1% iria para o partido que indicou o diretor, 1% para o PT, o partido controlador do Governo e 1% para a casa, isto é, para os dirigentes e seus operadores.
Estabelecido o esquema, em primeiro lugar os fornecedores já com contratos firmados com a Petrobras foram "convidados" a participar e ingressar com a sua contribuição. Quando recusavam alegando não ter margens nos seus contratos, de um lado tinham a promessa de recuperar as margens em novos contratos e, de outro, a ameaça de que se não contribuíssem, teriam problemas com os contratos. O início foi tipicamente um processo de extorsão.
Os fornecedores para os entes públicos, bem conhecem o processo e "jogam o jogo". Se o jogo é de concorrência efetiva a enfrentam. Se o jogo passa a ser de contribuições forçadas, também se ajustam ao jogo.
Não é possível estabelecer esse jogo, de forma continuada, com apenas uma das empresas. isso é possível em esquemas menores. Para a sua continuidade é preciso "organizar o mercado" e sempre surge um líder que assume o comando da esquema, gerenciando a participação das empresas. Forma-se um conjunto que, do ponto de vista formal, é um cartel. Os integrantes nunca o reconhecem como tal.
Apesar de reconhecido como crime os atos corruptos continuam a ser praticados, seja pela expectativa de que não sejam descobertos ou se desvendados os envolvidos possam se livrar de condenações, contratando bons advogados a "peso de ouro". Há uma sensação de impunidade.
Isso ocorreu parcialmente no julgamento do "mensalão". Este processo teve características próprias, diferentes do tradicional. Do ponto de vista econômico, houve um grupo organizado de corruptores, liderado por dirigentes do PT que cooptaram outras lideranças e parlamentares dos partidos da base aliada. Teria havido o suborno, por parte desse grupo dos parlamentares para mudar de partido ou votar com o Governo dentro da Câmara dos Deputados.
Não houve a extorsão de empresas privadas fornecedoras do Estado ou sujeitas a regulação estatal. Tampouco o suborno dessas de funcionários públicos para obter vantagens indevidas.
O que houve foi a montagem de um esquema (na ocasião aparentemente grandioso, mas que se mostrou posteriormente como relativamente pequeno, diante do tamanho do petrolão e agora da Operação Zelotes) de desvio de verbas de publicidade do governo para o financiamento do suborno de parlamentares e financiamento de campanha eleitoral.
Todos os envolvidos, posteriormente julgados e a maior parte condenados foram operadores do esquema. Esses montaram um caixa para corromper parlamentares. Os líderes partidários que organizaram a distribuição dos recursos foram indiciados e condenados. Os corrompidos, com poucas exceções, escaparam. Os beneficiários que receberam as mensalidades não apareceram.
Além dos políticos envolvidos, todos eles com penas brandas foram condendados, com penas mais rigorosas, os operadores. Desde o principal deles, o notório Marcos Valério, como os seus sócios e auxiliares, incluindo as Secretárias, como os banqueiros e corretores que viabilizaram a lavagem do dinheiro.
Já no petrolão foi montado o esquema tradicional, com corruptores e corrompidos. Com uma relação bilateral muito clara: o indiciado por corrupção ativa é uma empresa e por corrupção passiva um funcionário da estatal.
Mas entram "na dança" muito outros, como os políticos que, tecnicamente seriam corruptos passivos, mas organizaram e comandaram o esquema. Poderão ser pegos por lavagem de dinheiro, se utilizaram os serviços dos doleiros, podem ter usados outros mecanismos mais difíceis de serem detetados. Sobraria a formação de quadrilha, um crime mais dificil de ser tipificado, tanto que no mensalão os organizadores se livraram de condenações por esse crime.
Fora a caracterização de corrupção passiva, os políticos que organizaram e comandaram o esquema podem sair livres dos processos. Serão condenados os beneficiários contra os quais forem comprovados o pagamento e o recebimento dos dinheiros, oriundos das propinas.
Será semelhante ao mensalão, como o caso do ex-deputado João Paulo Cunha que acabou sendo condenado porque houve comprovação de que ele ou a sua esposa foram ao banco receber a sua parte.
A Lista de Janot pede a autorização da investigar políticos envolvidos. O principal foco da investigação será o recebimento de valores pela maioria dos listados, incluindo o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O objetivo das investigações será o coletar evidências para o indiciamento por corrupção passiva.
É uma situação diferente do mensalão, porque nesse os beneficiários menores não chegaram a ser investigados e muito menos indiciados. Agora haverá investigação, mas a menos dos "descuidados" que receberam os valores abertamente ou lavaram o dinheiro no país, poucos serão indiciados por corrupção passiva.
Já contra os líderes e organizadores haverá um esforço da Polícia Federal e do Ministério Público, com o apoio do Judiciário para incriminá-los por corrupção ativa e formação de quadrilha.
A alegação inicial deles será de que indicar pessoas para ocupar cargos na Administração não é crime. É inerente ao processo político. E não há como demonstrar que esses funcionários teriam sido indicados para praticar atos criminosos.
Tirando os casos em que o investigado foi flagrado recebendo dinheiro, ou lavado o mesmo, o foco principal será a formação de quadrilha.
Pode se ter como perspectiva mais provável que poucos dos investigados da Lista de Janot sejam indiciados e menos ainda sejam condenados. Para grande frustração da sociedade.
Mas diante dos resultados, não haverá significativa mudança cultural por parte dos políticos. Eles continuarão com a perspectiva de montagem de esquemas criativos para arrecadar recursos para suas campanhas e para si. Acharão que precisam tomar mais cuidados e não poderão usar os mecanismo tradicionais de lavagem de dinheiro.
O mensalão não os inibiu. Passaram para o petrolão. Com o desvendamento desse buscarão outros esquemas.
O que poderá inibir será a dificuldade de operacionalizar os esquemas, o que trataremos no próximo artigo.
(continua)
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segunda-feira, 6 de abril de 2015
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