Como um ex-tecnocrata velho, algumas vezes responsável pela elaboração e controle do orçamento do Governo de São Paulo, tenho muitas histórias para contar. As esqueci, mas fatos atuais me relembram algumas.
No início dos anos sessenta, ainda menino recém formado em Administração Pública, com algum conhecimento de orçamentos públicos, fui incumbido de cuidar do orçamento de investimentos, então organizados no Plano de Ação, do Governo Carvalho Pinto.
Para garantir a integridade das propostas formuladas pelo Grupo de Planejamento e afastar as mudanças do legislativo, o mecanismo foi usar as emendas individuais ao orçamento de parlamentares . Foram definidas pequenas quotas individuais, para o parlamentar definir a sua aplicação, de forma a atender aos pleitos da sua base eleitoral.
Concedia-se o "agrado" e o orçamento de investimentos era aprovado, na sua integridade, sem acatar qualquer emenda substancial.
Esse modelo, adotado ou desenvolvido por São Paulo se espalhou pelo Brasil, sendo assumido pelo Governo Federal, até mesmo durante o regime militar uma vez reaberto o Congresso Nacional.
Com a redemocratização tornou-se um dos principais instrumentos do presidencialismo de coalização, na prática um presidencialismo de cooptação.
O Executivo, através da sua área econômica, montava a proposta orçamentária e para assegurar a sua integridade, definia e negociava, com as lideranças partidária, uma pequena fatia da proposta, para os parlamentares incluírem - através de emendas individuais e, posteriormente, coletivas, verbas para atender aos seus redutos eleitorais. Os valores eram rateados igualmente a cada parlamentar, tornando-se - ao longo do tempo - um direito adquirido.
Passou a ser o foco de grande parte dos candidatos a deputados federais, prometendo às suas bases levar verbas federais, mediante suas emendas. Quem não fosse eficaz nessa atividade, corria o risco de não ser reeleito.
A proposição das emendas, assim como a sua posterior liberação e pagamento, dependia muito das lideranças partidárias que negociavam as diversas fases da emenda para dar apoio às proposições do Governo, ou para sustentar a sua permanência. As negociações das emendas foram vitais para evitar o impeachment de Temer. Dilma recusou-se a usar e acabou destituída.
A área econômica acordava com a fatia do orçamento e deixava a cargo da área política as negociações, caso a caso.
As verbas das emendas faziam parte do orçamento discricionário. Com o aumento sucessivo das verbas obrigatórias, principalmente pelo aumento das despesas com os servidores ativos e inativos e das vinculações de receita, a margem das discricionárias foram minguando, afetando muitos programas setoriais.
A tecnocracia brasiliense reagiu, gerando restrições e regulações para a destinação das emendas, fazendo com que essas se enquadrassem nos programas setoriais. Os Ministérios e órgãos federais que tinham as suas propostas orçamentárias cortadas pela área econômica, recorriam às emendas para compensar os cortes e complementar o seu orçamento.
Não bastava ao deputado "emplacar" a sua emenda na proposta orçamentária. Precisava, ao longo do exercício orçamentário, liberar e para isso precisava-se enquadrar nas regras dos tecnocratas. Esses exigiam a formalização de contratos ou convênios com as Prefeituras, Governos Estaduais e entidades beneficiárias.
Liberar, em termos técnicos, significava empenhar, mas ainda era preciso liquidar para enfim pagar (no caso transferir para o beneficiado).
Cada passo intervia um órgão ou entidade estatal, com as suas exigências burocráticas. A Caixa Econômica assumiu o monopólio da intermediação dos pagamentos das emendas, cobrando uma taxa, não desprezível.
O papel dos líderes partidários era destravar, mediante negociações politicas.
A reação dos deputados e senadores foi de tornar as emendas orçamentárias impositivas passando a fazer parte das despesas obrigatórias. Primeiramente, parte das individuais e depois as de bancada.
O Executivo manteve o poder de programar os pagamentos, retendo-os ao longo do ano, para negociações. Quando não paga no exercício é obrigado a inscrever em Restos a Pagar, mas mantém o poder de negociação: os pagamentos não são automáticos.
O Legislativo avançou nas suas prerrogativas, ganhando o direito de destinar as verbas de emendas, sem integrá-los em programas governamentais específicos. Tirou ou reduziu o poder da tecnocracia brasiliense.
Quer ainda o pagamento direto aos beneficiários, eliminando a intermediação da Caixa Econômica.
Reduz a burocracia, reduz o tempo, mas dá margem maior à corrupção.
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