segunda-feira, 10 de novembro de 2014

2016 e 2018

Os resultados desagregados das eleições de 2016 indicam a existência de uma base eleitoral, dependente dos programas sociais dos Governos e que tendem a votar com esses para garantir a continuidade dos benefícios. Mas nem todos tem clareza sobre a origem dos benefícios. São influenciados pelas campanhas promocionais do Governo Federal e atribuem a Lula e Dilma a autoria. O seu cadastramento e manutenção do cadastro ocorre com a Prefeitura Municipal que aparece como coadjuvante significativo. Alguns Prefeitos se "adonam" do programa para se elegerem ou elegerem o seu substituto. Nos Municípios maiores onde há reeleição, o peso desse eleitorado dependente dos programa sociais é menor. Não vamos tratar desse aqui. Vamos nos concentrar nos mais de 6.000 municípios onde ainda se concentra a pobreza. 

Uma parte dos beneficiários do bolsa família se acomodou, deixou de trabalhar e não quer mudanças. Quando muito reclama da carência dos serviços públicos, principalmente os de saúde pública. 

Esse eleitorado se tornou cativo do PT e a oposição ou oposições não tem alternativas a oferecer a menos de garantir a sua continuidade. O que não lhe transfere votos. Do ponto de vista estratégico não valeria a pena gastar "vela boa com defunto". Não é bem assim. Pois se assim fosse, o PT dominaria todas as Prefeituras Municipais, de pequenos municípios, com grande participação desses beneficiários acomodados do bolsa família. Outros partidos, somados governam mais Prefeituras do que o PT, apesar dos programas sociais.

No âmbito municipal a disputa não é ideológica, mas programática e pessoal. O eleitor tende a votar naquele que lhe traz benefícios, conhece pessoalmente e tem confiança pessoal. Nos municípios pequenos depende do "corpo a corpo" do candidato e do que ele consegue realizar a favor do eleitor. O que funciona é o "olho no olho" e o abraço pessoal. Nessa relação física o eleitor percebe se aquele gesto é de afeição efetiva, ou apenas um gesto eleitoreiro. Um abraço sincero é fundamental para a conquista e manutenção do voto.

A perspectiva predominante continua sendo assistencial. Precisa ainda dos cabos eleitorais, que são lideranças comunitárias que operam como "despachantes" entre a comunidade e as autoridades. Eles precisam ter credibilidade junto aos seus para levá-los às carreatas, às caminhadas, aos comícios.

A estratégia dos partidos é conquistar para si, esses lideres locais, atuais ou potenciais. Os atuais são, em geral, membros de famílias políticas tradicionais do local ou da região. Os potenciais são "outsiders" que algum partido patrocina, na expectativa de quebrar a hegemonia familiar existente.

O tradicionais aprenderam com os parentes a política do "corpo a corpo"  e se valem dos sobrenomes, cobrando a gratidão ao que seus antecessores fizeram. Os novos emergem pela prestação de serviços locais e prometem fazer os que os atuais donos do poder não fizeram. Mas, em grande parte, se não na maioria dos pequenos Municípios, a disputa é entre dois grupos familiares tradicionais.

Os Prefeitos ou as lideranças de oposição são cabos eleitorais dos candidatos a Governador e a Presidente da República. Em teoria baseadas em filiações partidárias. Na realidade baseadas em "seduções" fisiológicas.

O PFL, que sucedeu a Arena e depois se transformou em DEM, era o tradicional partido do Governo, apoiando o Governo de plantão, assegurando os postos governamentais estratégicos locais, como a chefia local do INSS, dos Correios, do Delegado e outros que interferem mais diretamente no dia a dia do cidadão das pequenas cidades. Ao sair do Governo Federal, com a eleição de Lula, não soube se "reinventar" e foi definhando, tornando-se um pequeno partido. Deu lugar ao PMDB, criado como partido de oposição, quando do regime militar, mas virou governo com a redemocratização. A partir dai não deixou de ser o principal Partido do Governo, qualquer que fosse o Presidente. Ao contrário do PFL/DEM soube garantir os postos chaves locais e regionais, mantendo um "circulo virtuoso" na sua perspectiva, mas vicioso para os demais: apoia o Governo, elege os seus Prefeitos, deputados e Governadores, assegura os cargos que dão suporte à eleição dos seus partidários. Esses apoiam o Governo e dão sequência ao processo. O principal mentor desse processo foi José Sarney, seguido por outras lideranças do partido o que lhe tem assegurado a proeminência que o DEM não soube manter. Uma grande parte dos seus partidários migraram para partidos menores que buscaram reforçar as suas bases regionais.

O PT emergiu como uma alternativa de mudança, quebrando a tradicional disputa entre as velhas oligarquias políticas, tendo professores esquerdistas da rede pública, como a principal base dos seus representantes, que começaram disputando as vereanças municipais. A ação eficaz dessas novas lideranças, nas ações sociais, permitiram alçar voos mais altos na política local e regional.

Mas o grande avanço do PT se deu com a eleição de Lula, baseado no seu carisma pessoal, quando as circunstâncias o favoreceram, depois de 3 derrotas sucessivas. Com o seu pragmatismo superou as resistências do "mercado" e implantou um amplo programa social, iniciado de forma tímida e exploratória pelos seus antecessores. 

Com os ajustes feitos nos modelos iniciais, obteve um amplo resultado efetivo que tirou milhões de brasileiro da miséria e ainda propiciou uma ascensão sócio-econômica de outros milhões de pobres. O efetivo sucesso dessas políticas lhe assegurou uma reeleição, a eleição da sua sucessora e agora a reeleição dela, Dilma Rousseff. 

Para garantir a permanência no poder, o PT precisa manter a fidelidade desse eleitorado, o que passa pelas eleições municipais de 2016. A ação dos Prefeitos eleitos em 2016 será fundamental para as eleições governamentais e presidencial de 2018. Em São Paulo, Geraldo Alckmin foi reeleito com folga, com a ação junto com os Prefeitos nos seus respectivos municípios. Na Bahia e em Minas Gerais o PT "virou" com a ação dos Prefeitos Municipais. Minas Gerais foi um caso peculiar, mas uma típica "virada a Mineira". Quem é do "galo" bem sabe o que é.

O PT fez a estratégia do medo, anunciado que o adversário acabaria com o bolsa família, o que deu certo parcialmente e contou com alguma sorte. Não pegou com Marina Silva, porque essa contou, com toda emoção e veracidade que havia passado fome na infância. É colega dos milhões de brasileiro beneficiados pelo bolsa família, que passaram por essa situação. Aécio Neves nunca passou por isso, nem Dilma. Ela, no entanto,  contou com toda a máquina de propaganda e o apadrinhamento de Lula que, além do seu carisma, tinha uma história real de privação. Aécio, nascido e criado em família com posses, não soube se desvencilhar da imagem de quem "não dá a devida atenção aos pobres", nem contou com nenhum padrinho. Não soube buscar a madrinha que poderia lhe dar alguma respaldo. Apelou a Fernando Henrique Cardoso, mas não à Dona Ruth Cardoso.
Marina lhe deu algum respaldo, mas insuficiente. 

O resultado efetivo é que o bolsa família está assegurado com um programa irreversível e ninguém ousará nem mesmo propor ajustes. O povo está satisfeito como está estabelecido agora, com todas as suas virtudes e distorções. 

Mas o povo quer mais. Quer manter o bolsa família como está, mas quer mais. Quem ficar apenas na defesa da manutenção do bolsa família corre o risco de perder o voto de quem oferecer um avanço. Quem tem o bolsa família quer tê-lo como um seguro, uma base minima, mas quer ganhar mais, quer ir além, principalmente os mais jovens. Muitas das crianças que deixaram de passar fome, com o bolsa família, já serão eleitores em 2018. Tiveram oportunidade de estudar e querem sair da pobreza. Muitos sairam da miséria, mas não da pobreza. Querem ir mais adiante. Não querem permanecer na pobreza. Ganhando com ela ou até fugindo dela.

Alguns candidatos a Prefeito poderão perder os seus eleitores, em função do sucesso dos programas sociais, porque eles irão mudar de município.

Como os partidos irão planejar e agir para ganhar o voto dos milhões de eleitores distribuídos em milhares de pequenos municípios, e de pequenas cidades, ainda com uma grande parte rural? Qual será importância dos Prefeitos que serão eleitos ou reeleitos em 2016? 

Que programas, sociais ou não, de âmbito nacional, mas que afetam todos os municípios, os partidos poderão oferecer aos candidatos aos Prefeitos?

O PT conquistou os ex-miseráveis e os pobres, mas não tem uma proposta abrangente para o passo seguinte: está preso aos empregos formais e à preparação e capacitação das pessoas para o emprego formal. As oportunidades de emprego formal serão poucas nos pequenos municipios. 

Os Prefeitos tendem a insistir na atração de indústrias para os seus municípios, mas aquela está em crise e com baixo nível de investimentos em novos estabelecimentos de médio porte. As indústrias modernas para serem competitivas precisam de ampla escala que superam, em muito, as condições municipais. Dependem de acordos federal e estaduais. Como tem que se instalar em algum município, esse e seu entorno poderá ser beneficiado. Mas não depende desse ou do seu Prefeito. O que ele pode é perder, se não fizer concessões. Mas será sempre reativo. Resta a possibilidade de pequenas indústrias para suprimento local ou, quando muito, regional. A geração de empregos será reduzida. 

Aqueles com melhor formação e pretensão a melhores empregos formais, migrarão para cidades maiores onde tem expectativa de conseguir os seus objetivos de melhoria. E deixarão de ser eleitores das pequenas cidades.

O primeiro estágio de melhoria além da base mínima do bolsa família é o trabalho por conta própria, seja na roça como na cidade. Não é como empregado, mas como micro empreendedor, trabalhando sozinho ou com ajuda de familiares. Pode se formalizar ou não. Preferencialmente não.

Em alguns casos, quando esse microempreendedor é bem sucedido, aumenta ao seu negócio e pode contratar empregados. Mas é preciso considerar as diferenças entre o microempreendedor, que é uma opção, com o trabalhador por conta própria que, no mais das vezes, decorre da falta de opção. Esse quer ser empregado, mas ainda não conseguiu a oportunidade.

Há três estágios para sair da pobreza:

  1. a primeira, mais imediata, é o trabalho por conta própria, informal;
  2. a segunda, é a formalização do trabalho por conta própria, para o qual a legislação avançou bastante, com a possibilidade do MEI, microempresário individual. Mas ainda um estágio acima do que o trabalhador por conta própria precisa. Ele precisa ser reconhecido como trabalhador por conta própria e não ser caracterizado como empresário que ele não é.
  3. a terceira é a ampliação de oferta de empregos formais. 
O segundo estágio pode ser pulado. Mas também pode passar pela criação de empregos informais, ou seja, trabalho para um patrão, sem carteira assinada.

A principal limitação do PT e da esquerda é defender os direitos dos trabalhadores submetidos a um empregador (um patrão), mas não sabe como defender os interesses dos trabalhadores que não tem patrão. Ou esse é ele mesmo. Como promover a luta de classes, quando a pessoa faz parte, ao mesmo tempo, das duas classes, supostamente, em conflito.

Isso abre um caminho programático para os partidos de centro esquerda, principalmente o PPS e o PSB, mas poderá ser ocupado também pelo PSDB. 

O foco inicial deverá ser as oportunidades do trabalho por conta própria. 

O caso da farinha de mandioca

Há uma situação interessante que serve como experiência a ser avaliada.

Em grande parte das pequenas comunidades pobres do Nordeste, uma base alimentar é a farinha da mandioca. Esse tubérculo é encontrado ainda em muitos locais, mesmo sem cultivo cuidadoso, sem ter se tornando um agronegócio. Mas é extraído da natureza, tratado e ralado em várias texturas, sendo usado como complemento alimentar. Em alguns casos, era o único alimento disponível para as famílias miseráveis. Com eventuais disponibilidades adicionais a farinha era vendida aos comerciantes locais, que faziam a sua revenda. A migração de nordestinos levou hábitos para outros locais, formando um mercado nacional. A tapioca, uma das farinhas, está ganhando moda nos grandes centros do sudeste.

Com o bolsa família, muitas famílias deixaram de produzir o excedente de farinha para vender aos comerciantes. Não valia a pena "ralar" em todos os sentido para preços tão baixos, para uma renda muito pequena. O bolsa família garante a subsistência. 

As margens e lucros eram e continuam sendo dos comerciantes. Que com esses ganhos ascendem para a classe média emergente.

O mercado de farinha caiu. Há menos disponibilidade de farinha nos mercados. A reação será a usual, o preço tenderá a subir.  Os que mantiverem a produção poderão obter rendas maiores, sem abandonar o bolsa família. Até porque sendo um produto agrícola está sujeito às variações de safra e entressafra e aos períodos de estiagem.


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