domingo, 9 de novembro de 2014

O cenário "Dilma como ela quer"

O desenho do cenário "Dilma como ela quer" é teórico, porque ela não tem condições objetivas de realizá-lo, mas é importante identificá-lo para servir de contraponto ou referência aos cenários possíveis nos próximos anos.

Este cenário não pode ser construído a partir da visão néo-liberal, predominante entre os economistas que dominam as colunas especializadas (e também as não especializadas) da mídia nacional. Tem que ser visto a partir das suas convicções pessoais e do suporte teórico dado pelos economistas da UNICAMP, o último bastião do projeto nacional desenvolvimentista.

Dilma tem todo um passado de esquerda, e chegou a ingressar na luta armada, contra o capitalismo para implantar o socialismo. Nos anos sessenta, o capitalismo usou a força militar, deu um golpe para conter os avanço populares e estabeleceu uma ditadura, contra a qual jovens idealistas, entre elas Dilma Rousseff, se rebelaram, lutaram, foram presos e torturados, alguns mortos. Tiveram que refluir e voltaram vitoriosos pelo voto.

O modelo de desenvolvimento baseado na industrialização substitutiva de importações, já em processo de esgotamento, foi abandonado com a ascendência da visão monetarista (depois caracterizada como néo-liberal) conduzida por Roberto Campos e o prof. Octávio Gouveia Bulhões. 

Os estruturalistas, cepalianos se converteram ou submergiram, mas guardaram o DNA dentro da UNICAMP.

A economista Dilma Rousseff é uma das remanescentes desse grupo, sem maior relevância, mas o destino fez com que ela fosse alçada à Presidência de República. Como Presidenta (como ela quer) pretende realizar o seu objetivo pessoal de um Brasil mais justo. 

No seu íntimo pode ainda acalentar o sonho de um pais socialista, mais próximo do que conseguiram Fidel e Chaves, mas percebe a forte resistência do capitalismo brasileiro, cada vez mais integrado ao capitalismo financeiro internacional. Que é visto como o principal gerador das crises e responsável pela manutenção ou até ampliação da desigualdade social no mundo.

Conseguiu avançar, mas não muito no seu primeiro mandato, por incompetência gerencial, em função de um estilo gerencial superado e percepção da dependência política. Não foi ela a eleita, mas o "poste" de Lula.

Agora na sua reeleição, está convencida de que o povo a elegeu. Não mais como "Luladilma", mas como Dilma e só. Sem desconsiderar os apoios, mas acha que o povo deu um voto de confiança a ela, pessoalmente.

Sente-se forte para tentar realizar o "seu maior desejo". Implantar um Brasil mais justo, com menos desigualdade social e em que todos tenham oportunidade de crescimento e de uma vida digna. 

Não é apenas um projeto pessoal. É o projeto consagrado pela Constituição de 88, mas que nenhum governante a partir dela conseguiu implantar. Houve inegáveis avanço, mas o projeto ainda está incompleto.

Não seria heresia dizer que "Dilma quer construir o Brasil que o Dr Ulysses sonhou". E que a maioria dos brasileiros ainda sonha e espera que um dia se efetive.

Os caminhos estão traçados, embora não sejam claramente percebido.

A base do desenvolvimento econômico será o crescimento da pobreza, com o apoio governamental. Tanto no sul-sudeste onde está concentrada, mas "esmagada" pela riqueza, como no norte-nordeste onde ainda é predominante e mais visível.

Com uma base menor, as taxas de crescimento podem ser maiores. 

As estratégias estão definidas, desde a gestão Lula: programas sociais para melhorar as condições de sobrevivência dos miseráveis e pobres e irrigar as economias locais com uma renda para ser multiplicada, criando um mercado e um desenvolvimento local. Estabelecer uma infraestrutura para a atração e crescimento de atividades econômicas.

Basta ver a relação das principais obras do PAC para perceber essa estratégia: a maior parte das grandes obras federais são no norte e nordeste. O centro-oeste é atendido para ter as suas ligações com o norte e nordeste, rompendo com a hegemonia das ligações com o sul-sudeste.  O Brasil tornou-se um dos maiores produtores de grãos. A sua balança comercial depende hoje da exportação de grãos que saem na sua maior parte por Santos, Paranaguá e outros portos do sudeste e do sul. E as divisas geradas servem para a importação de insumos para as indústrias do sudeste e de bens finais consumidos pela riqueza também do sudeste. 

O Brasil está voltando à situação pré-industrial, ao contrário do desejado pelo Governo de Dilma, em função da sua incompetência na condução dos rumos do país. 

Se as grandes obras do PAC estivessem prontas, nos prazos previstos, os cenários do norte-nordeste seriam outros, com um maior desenvolvimento e protagonismo nacional. Mas é possível que com essa melhoria econômica, Dilma não tivesse o mesmo volume de votos que teve nessas regiões, em função da dependência dos eleitores dos benefícios dos programas sociais.

Segundo uma visão conspiratória (ou estratégica) Dilma precisava manter a dependência dos eleitores para se reeleger e uma vez reeleita, poder dar o grande salto em direção ao seu sonho. Que ela entende ser a sua obrigação e compromisso com os seus eleitores. Em 2019 ela gostaria de entregar ao seu sucessor o Brasil "que queremos". E dizer, para si mesmo, para os brasileiros e para o mundo: "Cumpri a minha missão". 

Esse sonho pode ser caracterizado como um Brasil, inteiramente sem miséria e fome, com redução da pobreza e com todos tendo oportunidade de crescimento pelo seu esforço, independentemente da condição social e local do seu nascimento.

Sem entender essa missão que ela estabeleceu para si mesma, qualquer desenho do cenário "Dilma como ela quer" será falso e apenas colocado como contraponto dos cenários desejados pelos néo-liberais.

Alcançar esse objetivo, num país dominado economicamente por um capitalismo ainda selvagem, com o apoio de um pensamento econômico dominante néo-liberal é uma tarefa quase impossível. 

Apesar de ser democraticamente eleita com a maioria dos votos dos eleitores afirmativos (ou seja, que votaram em um dos candidatos), não tem condições políticas para colocar o seu projeto num tanque e ir vencendo todos os obstáculos.

Terá que fazer concessões. E o tamanho e intensidade delas irá definir os cenários alternativos.

O primeiro é o cenário Luladilma, defendida por Lula, por ter dado certo no início do seu primeiro mandato. Aceitará o que o chamado "mercado" quer. Para ela é o "maldito capital". Mas aceitaria o sapo, sem engolir. Conviveria com ele durante algum tempo, provavelmente até a metade do seu mandato. O suficiente para acalmar o mercado e ter o retorno da produção e dos investimentos. Aceitaria até Henrique Meirelles, mesmo sabendo que ele tem pretensões de concorrer à Presidência.

Aceitaria os remédios néo-liberais para preservar o seu tripe social: bolsa família (que na realidade incorpora outros programas sociais de distribuição direta de renda), PRONATEC (que também simboliza todo um conjunto de programa de oportunidades de qualificação profissional) e Mais Médicos.

Terá ainda que manter o Minha Casa, Minha Vida seja em função da mobilização dos movimentos sociais urbanos, como para manter a adesão do setor capitalista da construção civil voltado para o mercado privado.

Mas terá que romper e restabelecer as relações em novas bases, com o setor da construção civil voltado para o mercado público, o mais envolvido com os "malfeitos" das contratações públicas.

O segundo cenário será de concessões parciais, caracterizado pela escolha de Nelson Barbosa ou qualquer outro "não banqueiro" para o Ministério da Fazenda. Não seria um "choque de gestão" como sugere Lula, mas quebraria, ainda que parcialmente, a inércia do setor privado. Como não pode ficar inteiramente parado voltaria a produzir e investir, em função das perspectivas definidas com a escolha do novo Ministro da Fazenda. 

O terceiro cenário que seria o Dilma como ela quer, pleno seria um suicídio que ela não quer cometer. Ainda que por uma boa causa. 


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