quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Trabalho precário: alternativa para a miséria?

É importante considerar, preliminarmente, que não vemos ou percebemos o que não queremos ver. 
Pessoalmente, resisto muito à associação do trabalho informal com o trabalho precário. Mas analisando a questão da miséria, recebo ou lembro situações que os caracterizam.

Uma forma de sobrevivência das família pobres no nordeste era (e ainda seria) a catação de caranguejos dentro dos mangues. Eram catados à mão, com a lama quase na cintura, principalmente por mulheres e crianças. Lavados eram levados e vendidos nos mercados a preços vís. 


Para os paulistas, turistas no Nordeste era uma iguaria, um prato folclórico, com o caranguejo cozido, todo avermelhado quebrado na própria mesa, com um pedaço de madeira e saboreado, acompanhado por uma boa cerveja ou uma cachacinha. 


Pois esse prato está se tornando raro. De uma parte porque os caranguejos foram dizimados ao longo do tempo. Mas a versão principal é por a culpa no bolsa família: "ninguém mais quer catar caranguejo no mangue. Ninguém mais quer trabalhar!". 


Aventurar-se toda manhã, ou à noitinha, dentro da lama, num trabalho insalubre, para uma colheita cada vez menor, pouca gente está disposta, agora que tem a sua alimentação básica garantida pelo Bolsa Família. O prato vai se tornar cada vez mais raro, como um prato típico popular.


A saída está no mercado. Com a redução da oferta, os preços vão subir. E a iguaria não vai sumir. Vai deixar de ser um prato popular e vai entrar no rol das especialidades, como ingredientes ou pratos dos "chefs". E alguns vão voltar ao mangue. 


A grande ou maior resistência aos programas sociais é que os beneficiados, com a sobrevivência garantida, querem ingressar e participar do mercado, dentro das suas regras de negociações. Os empregadores e compradores dos seus produtos extraídos ou primariamente beneficiados (como o caso da farinha), acostumados ao pagamento de valores vís, não querem pagar os novos valores. Antes eles não tinham opção. Com os programa sociais passaram a ter. Não significa que não queiram trabalhar. Não querem mais trabalhar em condições precárias, recebendo a "miséria" que os os empregadores, tomadores de serviços ou compradores dos produtos querem pagar. 


Eles se justificam que com os novos valores, o seu negócio se torna inviável. Que com o repasse dos custos os clientes não querem mais comprar. Então, no caso citado acima, a culpa seria dos turistas paulistas - como eu - que não querem pagar mais caro pelo prato de caranguejo. Seria uma forma de resistência e reação contrária às mudanças.


Na prática, os programas sociais criam uma nova dinâmica econômica, que ainda não tem sido bem entendida. O fato real, demonstrado pelos grandes medidores é que o processo perdeu força, com algumas interpretações de que teria se esgotado.


De qualquer forma é necessário cuidar mais dos efeitos econômicos dos programas, avaliando os diversos impactos reais, previstos e não previstos.

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