As famílias de classe média (da qual faço parte) ao longo dos últimos anos promoveram significativas mudanças culturais.
Os pais ou avós até os anos sessenta frequentaram a escola pública, para a sua educação fundamental, em geral nas proximidades da residências. Em São Paulo, os principais bairros de classe média tinham escolas renomadas e referências em educação. No antigo ginásio, atualmente do 5º ano em diante, os estudantes ganhavam mais independência e se deslocavam de bonde. Automóveis eram raros.
A partir dos anos setenta começa uma mudança que foi se acentuando nos anos seguintes: os pais formados nas escolas públicas, começam a levar os seus filhos para a escola privada. Os bons professores não vão mais para a educação pública, mas empreendem escolas privadas. A demanda é grande e crescente e já no início do século XXI a escola pública foi, praticamente, abandonada pela classe média que, com isso, deixou de se interessar com a qualidade daquela, acelerando o processo de degradação.
Essa mudança foi acompanhada pela motorização da classe média e as crianças eram levadas pelos pais, de carro para a escola e também buscadas, gerando congestionamentos nas vias próximas às escolas nos horários de entrada ou saída, agravadas pela indisciplina dos motoristas, estacionando em fila dupla.
As crianças ao longo de toda a sua infância nunca utilizaram o transporte coletivo, até alcançarem a adolescência.
Ao chegarem ao segundo grau, eram considerados independentes e muitos liberados ou encaminhados pelos pais para o uso do transporte coletivo.
Uma importante demanda do sistema metroviário como de ônibus em corredores era e é dos "ainda sem carro".
Ao ingressar na Faculdade, passavam a reivindicar ou mesmo eram agraciados com um carro. O automóvel era um dos principais prêmios para o jovem que passasse no vestibular.
Outras mudanças culturais ocorreram no mesmo período, como levar namorado(a) para dormir na casa, ficar mais tempo nessa mesma casa com os pais, casar-se mais tarde.
Agora essas mudanças estão envolvendo duas mudanças importantes nos jovens de classe média:
o adiamento da fase do "ainda sem carro", acompanhando o adiamento da saída da casa dos pais e do casamento (ou relacionamento sério). Alguns adotam a alternativa da bicicleta.
Agora fazem toda a vida estudantil, sem carro. E essa também pode ser prolongada com os pós-graduações.
A fase do "com carro" só começa quando formados, começam a trabalhar. Mesmo assim, muitos permanecem sem carro, buscando trabalhar perto da residência, usando a bicicleta ou utilizando-se do transporte coletivo.
Esse adiamento do período "ainda sem carro" é um fenômeno crescente e terá impactos efetivos sobre a mobilidade urbana. Mas não há uma avaliação sobre a sua importância relativa. O quanto isso irá impactar na redução de carros nas ruas ou na melhoria de velocidade média dos veículos?
Impactos pontuais serão mais sentidos como: "cursinhos para vestibular" distantes de estações metroviárias perderão alunos para os que se situarem mais próximos daquelas. Faculdades com aulas diurnas requererão maior proximidade com o transporte coletivo de massa e mais ciclovias e bicicletários.
Já as faculdades com aulas noturnas tem outro público: os que trabalham e estudam. Muitos ainda serão "ainda sem carro", não por opção, mas por falta de condições econômicas de adquirir e utilizar o automóvel. Esse contingente, provavelmente, é muito maior do que os "ainda sem carro" por opção.
Uma questão adicional é avaliar o que ocorrerá com os "ainda sem carro", quando começarem a trabalhar, ou forma família e tiverem filhos em idade escolar, ou melhorarem as suas condições econômicas: passarão a ser "com carro" ou um "sem carro" por convicção.
Uma questão comportamental (que no conjunto se caracteriza como cultural) é que muitos dos "ainda sem carro" esperam que os outros continuem "sem carro" para eles poderem ser "com carro", trafegando mais tranquilamente.
E se isso ocorrer, muitos dos "sem carro" por conta das dificuldades no trânsito, migração, muitos retornando a engrossar os "com carro" e os congestionamentos voltarão a crescer.
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